Havia se passado alguns dias da morte de Vicente e eu ainda estava desolado. Me isolei completamente de tudo. Não ia na casa de minha mãe, não ia na casa dos meus sogros, não ia mais para a faculdade de música. Só ficava em casa, deitado dia inteiro e só me levantava para comer algo (muito raramente), tomar banho ou ir ao banheiro. E também para fazer café, como agora.Foi uma semana mal dormida e sempre que eu fechava os meus olhos, me vinha um sonho com Vicente. Pesadelos também começou a fazer parte da minha rotina e todos eles envolviam Vicente com seu rosto desfigurado. Eu acordava e chorava alto, como se uma estaca enfiasse em meu peito.
Foi uma semana também recheada de lembranças dos nossos 6 anos de namoro e poucos meses de casados. Toda vez que eu olhava para aquele piano no meio da sala, eu me lembrava dele.
—Você é o melhor pianista que tem no mundo. — disse Vicente, dias antes de sua morte. Eu estava sentado ao piano e ele se aproximou de mim, me envolvendo em seus braços.
—Nada de exagero, Vicente. Tem milhares melhores que eu.
—Para mim você é o melhor. — ele disse e eu ri. — Vamos fazer um dueto?
—Você vai cantar? — perguntei, e virando para ele. Ele balançou a cabeça positivamente e eu balancei negativamente.
—Eu também tenho uma boa voz, Carmo Ramalho.
—Se você está dizendo. — disse, apertando uma tecla do piano. — O que você quer cantar?
—Pela Luz Dos Olhos Teus. — disse ele, arrancando um sorriso meu. Ele sempre disse que aquela música é nossa e me convenceu a entrar com essa música no nosso casamento. — Nossa música.
—Huuuuuum! — disse, levantando minha sobrancelha. — Quem faz a parte do Tom?
—Eu, claro. O homem do dueto.
—Então eu não sou homem? — disse, cruzando meus braços.
—Você é o meu homem. — disse ele, sentando no meu colo. — Mas eu faço a parte do Tom. Começa logo isso aí.
Eu tirei ele do meu colo e comecei a tocar o piano. Vicente começou a fazer como aquelas cantoras, andando em volta do piano e passando a mão encima do instrumento. Eu comecei a rir e me desconcentrei. Vicente me repreendeu e mandou que eu me concentrasse e foi o que eu fiz.
—Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus resolvem se encontrar
Aí que bom que isso é meu Deus
Que frio que me dá o encontro desse olhar
Mas se a luz dos olhos teus resiste aos olhos meus
Só pra me provocar,
Meu amor, juro por Deus me sinto incendiar. — cantei, olhando em seus olhos.—Meu amor, juro por Deus
Que a luz dos olhos meus já não pode esperar.
Quero a luz dos olhos meus, na luz dos olhos teus
Sem mais lará lará
Pela luz dos olhos teus,
eu acho meu amor, e só se pode achar
Que a luz dos olhos meus precisa se casar. — ele cantou, desafinadamente lindo.—Quando a luz dos olhos meus
—Quando a luz dos olhos meus
—E a luz dos olhos teus resolvem se encontrar
—E a luz dos olhos teus resolvem se encontrar
—Aí que bom que isso é meu Deus
— Aí que bom que isso é meu Deus
—Que frio que me dá o encontro desse olhar
VOCÊ ESTÁ LENDO
Luz Dos Olhos Teus [Romance Gay]
RomanceVicente e Carmo são dois jovens apaixonados de 19 anos que acabaram se casar. Com o apoio da família, os dois desde cedo viveram esse amor de forma intensa. Vivendo em um país com uma cultura totalmente diferente de todas as outras do mundo em relaç...