Capítulo 6

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Faz uma semana e meia que estou nessa casa, o que significa que faz uma semana e meia desde a minha última interação com Viggo Grimborn, ele quase nunca está em casa e quando está fica sempre trancado em um cômodo no fim do corredor fazendo algo que não faço ideia do que seja. Faz uma semana e meia desde que ele me revelou seu desejo de assassinar seu próprio pai, me pediu para ser seu álibi e desde então nenhuma palavra foi trocada entre nós. 

Ainda não sei se tudo o que ele me disse é realmente verdade e parte de mim acredita que ele apenas quer me deixar louca. Por que ele me diria algo tão incriminador? Por que ele me pediria para fazer parte de seu plano e em seguida me deixaria sem saber de nada? 

Ele realmente tem um plano? Quando tudo vai acontecer? Que tipo de álibi eu preciso ser? Por que me deixaria com tantas perguntas e nenhuma resposta? 

Faz dois dias que consigo me olhar no espelho sem odiar minha imagem. Minhas sobrancelhas estão feitas, as unhas arrumadas, as feridas em minhas costas não sangram mais, não consigo mais ver onde meus ossos começam e onde terminam, já não estou mais tão pálida e meus olhos não estão fundos pela falta de sono apropriado. Os pesadelos ainda me atormentam, mas não acordo mais gritando, mesmo assim, me recuso a acreditar que talvez as coisas estivessem mudando para melhor.

Faz seis horas que descobri que estou em Bog e apenas descobri porque finalmente criei coragem o bastante para me atrever a ligar a televisão que tem em meu quarto e assistir ao noticiário local. Bog não é a melhor ilha do arquipélago, mas é infinitamente superior à Berserk em todos os sentidos, mas foi surpreendentemente fácil me acostumar com meu novo ambiente, foi fácil me acostumar com os cômodos exageradamente grandes, com água quente ilimitada ou com toda a comida. A mansão de Viggo Grimborn era realmente o paraíso e por mais que eu tenha me acostumado com todos os benefícios, parte de mim - uma grande parte de mim - ainda insistia que eu não merecia nada daquilo.

Eu, a bruxa, a párea, a pecadora. Como alguém como eu pode conseguir algo assim? Esse tipo de coisa não acontece com garotas como eu. Ainda assim, estou aqui e permanecerei aqui até que Viggo Grimborn decida que não sou mais digna.

Talvez eu devesse avisá-lo. Talvez eu devesse dizer que mais cedo ou mais tarde tudo vai desmoronar por minha culpa. Eu deveria dizer que pessoas como ele jamais devem se misturar comigo porque nada de bom acontece. Sou um ímã para azar.

Me assusto com as três batidas na porta e em um segundo desligo a televisão.

-Pode entrar. - Eu digo e Viggo abre a porta. Ele não veste um terno dessa vez, ao invés disso usa uma simples camisa branca e uma calça jeans, mesmo assim, sua postura ainda é a mesma. Ele deve ser a única pessoa no mundo que faria roupas de brechó parecerem de alta costura.

-É bom ver que está se acostumando com a casa. - Ele diz casualmente encostado no batente da porta e me pergunto por que ele não entrou no quarto. - Vim te avisar que estou esperando alguém, para sua segurança, é melhor que não saia do quarto pelas próximas duas horas. - A voz dele tem o mesmo tom calmo e elegante de sempre e acredito em cada palavra que ele diz.

Faço que sim com a cabeça.

-Não vai se incomodar comigo. 

Ele fica em silêncio enquanto me observa por um momento até que finalmente balança a cabeça e se vai, fechando a porta atrás de si. Ligo a televisão mais uma vez e não presto atenção ao que quer que esteja passando. Me pergunto quem virá vê-lo hoje e o por quê dos avisos que me deu.

Talvez seja algum dos homens do porto. Talvez seja um fornecedor. Um contrabandista. Um assassino de aluguel. Talvez não seja ninguém em especial e ele esteja brincando com a minha sanidade.

Mesmo assim, faço o que ele me pede. Fico quieta em meu quarto, quase completamente imóvel até que exatamente duas horas depois ouço novamente as batidas na porta. Dessa vez muto a televisão e não digo nada. Viggo não perde tempo em abrir a porta, dessa vez usando um terno cinza, tão escuro que por um momento penso ser preto, novamente ele se inclina contra o batente.

-Já pode sair do quarto se quiser.

Faço que sim com a cabeça, deixando que o silêncio entre nós se estendesse por um segundo além do necessário.

-Obrigada. - Não sei por que estou agradecendo. - Quem estava aqui? - Pergunto antes de ser capaz de evitar que as palavras saiam da minha boca e imediatamente me arrependo. Viggo não tem motivos para responder minhas perguntas, se ele é o criminosos que imagino que seja, não me dará explicação alguma.

-Ryker. - Ele responde. - Você o conheceu no porto. - Não consigo evitar a maneira que meus ombros se encolhem porque me lembro muito bem de Ryker. Me lembro do cheiro de nicotina e colônia e do cano frio da arma na minha cabeça.

-Ele não parece ser muito legal. - Eu digo, sem saber realmente por que estou caçando assunto com ele ou por que ele continua me respondendo ao invés de simplesmente ir embora. Ele ri, uma risada baixa e que não dura por muito tempo.

-Ele não é.

-Ele sabe? Que você vai matar o seu pai. - Pergunto como a idiota que sou. Por que não consigo simplesmente ficar quieta? Por que ele continua me respondendo?

-Não. - Ele me responde. - Esse privilégio é apenas seu. - O tom dele muda junto com o meio sorriso que aparece em seus lábios e sou incapaz de identificar suas intenções, mesmo assim, um nó surge em minha garganta e tenho que me forçar a engolir. Digo a mim mesma que o calor em minhas bochechas é devido ao verão.

-Vai me dizer porque ainda estou aqui? - Pergunto e Viggo franze a testa, perdendo o sorriso de antes. - Você poderia ter se livrado de mim a qualquer momento e eu não acredito que eu seja seu último recurso para um álibi. Você tem dinheiro, só precisa subornar o juiz certo.

Viggo ri.

-Você tem razão, - ele diz - está aqui porque gosto da sua companhia.

Fico em silêncio. Não sei como respondê-lo, não faço ideia do que ele quer que eu diga. Ele me observa e é estranho como não me sinto desconfortável, não quero que ele pare de me observar. Não quero nunca deixar de ser o centro de suas atenções.

-Quando vai matar o seu pai? - Pergunto, quebrando o silêncio que se prolongava demais.

-Não se preocupe com isso. - Ele responde se endireitando e me deixando sozinha novamente.

Deito em meio aos travesseiros me perguntando quanto tempo levará para que Viggo descubra o terrível erro que é me manter por perto.

I Did Something BadOnde histórias criam vida. Descubra agora