O Dia Depois de Amanhã

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Descobri esta coisa bem no fundinho do baú. Foi o primeiro one-shot que escrevi e, apesar de já não me rever nele, decidi publicá-lo na mesma. Quem ler isto e depois for ler a Paranoia vai notar a diferença e essa diferença é importante porque temos de começar por algum lado. Eu comecei assim. 

Lembro-me que era para um concurso cujo tema era "Tempo" (todos os contos que tenho aqui publicados vêm de concursos porque preciso sempre de um empurrão para ficção curta).

***

Uma e outra vez.

O telemóvel vibrava repetidamente ao ponto de ele quase já não conter o impulso de pegar nele e lançá-lo pela janela.

– Não vais atender? Pelo menos desliga isso – pediu a sua irmã, cansada do incessante vibrar, sem desgrudar da televisão. Já ele não conseguia tomar atenção alguma ao que passava no pequeno ecrã. Por mais ação que o filme tivesse não conseguia livrá-lo de pensar demasiado, nem de ouvir o incansável telemóvel.

Rodrigo acabou por pedir desculpa à irmã e desligou o aparelho. Ele simplesmente não queria falar com ela. Não queria ouvir mais nada do que ela tinha a dizer, quando ela sabia o que existia entre ambos. Ela pedira-lhe desculpa num tom que o desarmara, e depois explicara o que queria daquela relação. Dele.


Ele fazia um esforço imenso para manter as pálpebras abertas, enquanto os dedos esguios e delicados da morena desenhavam círculos imaginários por entre os seus cabelos rebeldes. O lento e ocasional toque na sua face mantinha-o acordado, mas por pouco tempo. Permaneciam assim há longos minutos, sem alterar posições, sem dispensar do conforto do simples sofá acolhedor, da televisão e dos breves carinhos.

– Queres ficar cá hoje? – perguntou ela junto ao ouvido dele. Roçou os lábios tão levemente pela sua têmpora que ele podia jurar ser apenas um sopro. Sorrindo, ainda de olhos fechados, virou-se de forma a capturar-lhe os lábios com os seus, que com certeza o manteriam acordado por mais algum tempo e que eram uma clara resposta à sugestão dela. – Amor, espera. – sussurrou Mariana com um sorriso. Já o dele desvaneceu-se rapidamente, os braços perderam o calor e os lábios deixaram, por momentos, de querer os dela. Palavras. Porque é que as raparigas precisam de palavras nas piores situações?


Na verdade, a discussão que se seguira aos carinhos tinha sido premeditada por ele. Não tinha medo dos sentimentos dela, que sabia quais eram. Tinha medo dos seus.

– Vou dormir. – Por entre bocejos falsos, levantou-se do sofá e, arrastando-se sobre os pés descalços, não esperou pela resposta da irmã. Sabia que esta o bombardearia com questões impertinentes e não tinha alento para isso. Ela era mulher, nunca o compreenderia.

Deixou-se cair sobre a sua cama e fitou o teto até que conseguisse deixar de pensar. Não queria pensar nela, na miúda com os olhos mais azuis que já conhecera, que acabara por acompanhá-lo em todas as etapas da vida e que acabara no mesmo curso que ele, passados tantos anos. Não queria pensar na mulher bonita em que se tornara e que o via como a melhor pessoa do Mundo.

Queria adormecer profundamente e deixar que a inconsciência ditasse o resto por si durante apenas umas horas. Queria. Mas no dia seguinte o telemóvel continuaria a tocar, e as respostas não existiam. Não existiam respostas para o dia de amanhã.

***

Ele levantou-se tarde no dia seguinte. Camila, a sua irmã mais nova e que ocupava temporariamente o pequeno apartamento com ele, já devia estar levantada e à sua espera. Apressado, saltou da cama e preparou-se para um rápido duche quando o choque tomou conta de si.

O Dia Depois de Amanhã { conto }Onde histórias criam vida. Descubra agora