Capítulo 1

8.8K 575 775
                                    


Quinze minutos e oito segundos.

Esse era o tempo exato que percorria diariamente da escola até o centro da cidade. Já havia se tornado rotina a curta viagem de trem desde os meus oito anos de idade , quando fiquei encarregada de ajudar o meu pai na livraria.

O tempo era suficiente para ouvir quatro músicas, mexer um pouco no Instagram e em algumas vezes, jogar algum joguinho no celular. Já era costume.

Eu estava sentada perto da janela, observando as rotineiras imagens. A paisagem britânica sem vida se movimentando conforme o trem corria. As árvores secas, como linhas pretas desenhadas sobre o céu nublado. A ponte amarela que cruzava o parque até a estação de trem. Os bancos esverdeados do vagão 47, rumo à cidade. O senhor Christopher apoiado no vagão preguiçosamente , à espera da próxima estação para cumprir seu trabalho.

Suspiro entediada.

Por vezes, acredito que o hábito do dia a dia me desgasta profundamente. A minha vida é basicamente baseada em escola, livraria e dormir. Um ciclo vicioso, eu diria. Festas eram raríssimas. Ao auge dos meus dezessete anos, o mais próximo de loucura que já presenciei em minha pacata vida, foi roubar com Jonas uma tequila no ármario de sua mãe. Conclusão, bebemos alguns shots, jogamos Monópolis, brigamos na escolha das peças e caímos duros no meio da sala.

Foi uma noite em tanto.

Observo de relance o grupo de garotas sentadas no lado esquerdo do trem. Todas usavam casacos importados, botas de alta qualidade e os seus cabelos sedosos eram amarrados perfeitamente no topo da cabeça.

Eu me sentia um pouco intimidada vestindo o meu moletom cinza sem graça e calça jeans antiga. Mas não era para pouco, as garotas eram sinônimo de popularidade. No alto da escala social estudantil, elas eram intocáveis. Líderes de torcida, bonitas, ricas e organizadoras das melhores festas. Os únicos a alcançarem tamanho poder junto à elas na camada alimentar, eram os jogadores de Lacrosse.

Bem, sobre essa escala, eu me encontrava lá embaixo. Mas lá embaixo mesmo. Na região submersa, onde era permitido a entrada somente à mim, Jonas e alguns garotos jogadores de Minecraft.

Sobre a minha posição social, eu não me sentia triste, longe disso. Mas no silêncio do trem, preenchido por músicas melancolicas tocadas através do meu fone de ouvido, me pergunto como seria a minha vida no lugar daquelas garotas. Definitivamente, mais emocionante. Além de frequentar festas as quais nunca me imaginei dentro, iria ser notada.

Sim, notada.

Na escola, eu sou um fantasma. Não aqueles fantasmas legais, que são assustadores e temidos por todos. Mas o fantasma invisivel, aquele que ninguém vê ou imagina de sua existência. Sinceramente, esse é o pior tipo.

Suspiro novamente e me deixo levar pela música. Eu esqueci de contar, mas os quinze minutos e oito segundos de viagem são ótimos para questionar o sentido da vida.

O trem para na quarta estação, indicando faltar apenas mais cinco minutos até o centro. Mudo a música impaciente e observo as pessoas entrando no vagão.

O meu coração para de bater subitamente quando a figura esguia e descabelada familiar entra no trem. Tudo à minha volta se torna um borrão e a música tocada em meus ouvidos se abafa.

Não, não podia ser.

As minhas mãos começam a suar frio e fortes impulsos nervosos tomam conta de meu corpo, como choques eletricos. Até as minhas pernas tremiam.

Era ele.

O amor da minha vida. O garoto mais bonito, talentoso e gostoso que Deus já colocou na Terra.

Be My GirlOnde histórias criam vida. Descubra agora