Lado Errado

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- Ele ainda é muito novo pra isso. Começarei quando ele tiver seis anos.

Do lado de fora, eu podia ouvir a conversa dos dois na cozinha.

- Quando ele tiver seis talvez seja muito tarde. – minha mãe respondeu – Você sabe que não podemos nos basear no melhor quadro. Sempre pense no pior.

"Sempre pense no pior" foi a maior lição que já aprendi com ela.

Meu pai resmungou alguma coisa e saiu para onde eu estava, me olhando com irritação. Ele era bastante diferente de minha mãe, tanto no corpo quanto no espírito. Seu rosto suave não me impedia de sentir medo de seu gênio constantemente agressivo. Com aquela idade, eu não podia compreender suas atitudes abruptas e explosivas. Hoje compreendo, mais do que gostaria.

Ele arrancou um graveto de uma árvore próxima e se sentou ao meu lado com uma faca nas mãos. Começou a esculpir o galho até que ele se tornasse um cilindro, com uma pequena abertura no meio. Usou uma lixa para deixá-lo mais liso, e então fincou um pedaço fino de carvão na abertura central.

- Você sabe o que é isto, Iago?

Sacudi a cabeça, sem olhar para seu rosto. As palavras raramente tinham coragem de sair de minha boca para encontrar meu pai.

- Se chama lápis. E você nunca deve dizer a ninguém que tem um. Entendeu?

Acenei mais uma vez.

- Venha, vou te mostrar como funciona.

Ele me pegou pela mão e me puxou para dentro de casa.

Sobre a mesa da cozinha, minha mãe havia deixado uma folha de papel. Eu a peguei quase com devoção, sentindo a lâmina delicada entre os dedos. Papel era um item raríssimo e cobiçado entre os Surdos.

Meu pai se sentou ao meu lado e pegou a folha. Ele traçou algumas letras, me indicando como o objeto deveria ser manuseado. Quando terminou, estendeu o lápis para mim.

Ergui a mão esquerda para pegá-lo.

Um tapa acertou minha mão, doendo. Puxei os dedos para perto de meu corpo, olhando com medo para seus olhos severos.

- Mão direita sempre, Iago.

Em nossa cidade, ser canhoto era considerado uma imperfeição. Um dia eu poderia acabar morto por esse motivo, e por isso meus pais insistiam que eu me acostumasse a usar a mão direita com mais frequência. Era cansativo e frustrante, e de início me magoava muito.

Eu sei que os magoava também, porque minha mãe se retirou bruscamente da cozinha, escondendo o rosto entre as mãos para que eu não visse as lágrimas. Sem entender o real motivo de seu choro, eu me encolhi, o peito apertado, julgando que tinha feito algo ruim para ela. Eu me sentia péssimo, e chegava a pensar que a vida de meus pais seria melhor se eu nunca tivesse nascido. Cada respiração era um novo erro. Uma nova vergonha a ser repreendida. Tudo em mim era um defeito, e ser eu mesmo era um crime.

Com a mão trêmula, risquei letras instáveis no papel, quase o perfurando, mordendo os dentes para concentrar minha habilidade no lado direito, enquanto a mão esquerda em punho apertava o pé da mesa com força.

Durante toda minha vida eu sentiria o mesmo.

Aquele tapa me acompanharia todos os dias, me fazendo lembrar que existia um lado meu que deveria ficar escondido. Não era só ser canhoto, eram várias coisas. Várias coisas que eram crimes, e poderiam me levar à guilhotina.

Mas quando essas coisas fazem parte de sua natureza mais íntima, é muito difícil escondê-las por tanto tempo.

Em minha cidade natal, todos os acontecimentos eram programados para nos fazer sentir culpa e medo. Absolutamente qualquer coisa poderia ser um crime. E, se você tivesse azar, seu crime seria um dos imperdoáveis.

Eu era imperdoável desde que nasci. Um intruso. Uma falha ambulante. Uma doença.

Meu único consolo era saber que meus pais também não se encaixavam com perfeição no sistema. Eles eram Surdos, temidos e odiados por todos.

Mas digamos que ser um Surdo é um problema simples. É como trocar de roupa. E você pode deixar de ser um Surdo, se for esperto.

Comigo era uma questão mais complexa. Existem coisas que não podem ser mudadas.

Existem roupagens que estão por debaixo da pele, dentro dos órgãos, no núcleo dos ossos. Eu poderia me reprimir por quanto tempo desejasse, mas jamais poderia alterar minha natureza. E minha natureza tinha o costume doentio de borbulhar em minhas artérias.

Foi com muito esforço que tentei caminhar pelo lado que me diziam ser o certo. A cada passo, porém, eu sentia a dor que me puxava para o lado errado.

"Mão direita sempre, Iago."    

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O Filho da Rebelião (Completo) - Livro II - Trilogia DantálionOnde histórias criam vida. Descubra agora