Companhia

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Notas: Eu alterei uma pequena parte desse capítulo em relação ao que estava no Spirit. São apenas algumas descrições na cena da Liga, mas seria interessante dar uma olhada



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Caminhando para casa, naquele fim de tarde Katsuki não conseguiu evitar o mix de sentimentos que corria por sua mente. Primeiro era o cansaço de mais uma semana prestes a terminar. Os exames trimestrais estavam extraindo as energias de toda a sua turma, até mesmo ele, e isso acabava por deixar Katsuki ainda mais irritadiço do que costume.

Essa irritação era acentuada pelo Cabelo de Merda, é claro, que insistia em lhe fazer companhia e segui-lo como um cachorrinho em busca de alento. Katsuki odiava aquilo. Aquela adoração inocente e infantil, que tentava ao máximo ver coisas boas em si, justificar seu caráter fodido.

Por que a questão era: Ele sabia que estava fodido. Ele cresceu com limites estúpidos, vindo de pais que pouco se preocuparam em fazer qualquer coisa além de agradá-lo. Sim, a bruxa lhe dava alguns tapas de realidade de vez em quando, mas que bem isso faria se Katsuki aprendera apenas a imitá-la? Se isso colocou em sua mente que a violência era uma forma de se impor sobre os outros?

Ele não iria culpar sua mãe por ser do jeito que era claro, não era apenas ela. Ele não iria culpar seu pai por nunca se posicionar também, era o jeito dele de ser, em toda sua calma e pacifismo covarde. Mas olhando para trás, agora que tinha mais conhecimento sobre as coisas, ele via que isso não tinha lhe feito nenhum bem também.

Junto da raiva havia o vazio, mas esse era muito mais constante desde que conhecera All Might um ano atrás. Se habituara tanto a ele que corria como uma segunda natureza. Tendo seu herói de infância tão perto dele, tirando-o de uma situação tão patética quanto aquela...

Katsuki ainda podia sentir, às vezes, a sensação horrível de lodo descendo por sua garganta, envolvendo seu corpo e impedindo o ar de entrar. Havia o cheiro pútrido da substancia apesar de ser, de certa forma, humana que ainda dava nós em seu estômago. Foram segundos aterrorizantes entre finalmente perder a esperança de ser salvo e ter o homem prendendo o vilão.

Ele tentava se consolar que poderia ter sido pior é claro. All Might poderia não ter chegado a tempo, afinal de contas. Ele poderia ter continuado seguindo uma pista falsa. Ver o homem que admirava esvaziar em sua frente, entretanto, o encheu de tanto temor e medo.

Ouvir sua história como parte do pedido de silêncio, foi o que fez Katsuki confirmar que, afinal de contas, ninguém era imbatível ou perfeito e até mesmo o herói numero 1 carregava fardos incontornáveis em suas costas.

(Foi o que trouxe o vazio de volta.)

Katsuki não sabia exatamente o que pensar quando, meses depois, o homem o procurou novamente. Receber uma oferta como aquela, em qualquer outra vida, teria enchido Katsuki de tanto orgulho e aceitação... a mostra definitiva de que ele era superior a todos os demais e aquilo era apenas a prova divina de tal fato...

Nessa vida ele poderia apenas se amaldiçoar. Pois quando estava engasgando, ao ponto da morte, Katsuki quase esperou ver o reflexo de verde que estava gravado em suas retinas como uma maldição. Ele queria, naquele momento, escutar uma voz gritando Kacchan e lhe assegurando que tudo ficaria bem, mesmo através de lagrimas.

Ele queria ter visto as sardas molhadas pelo esforço da corrida que levaria aquela pessoa até ele, pois Katsuki sabia, mais bem que qualquer outra coisa, que aquela pessoa sempre correria até ele.

Talvez fosse por isso que Cabelo de Merda o irritasse tanto. Ele estava ocupando um lugar que não era dele para ocupar. Katsuki não era idiota. Por mais que lhe custasse admitir para os outros, ele admitia para si mesmo ser grato por ter alguém que o tirasse de dentro de sua própria cabeça, que o fizesse ver coisas além de sua própria culpa e arrependimentos. Mas isso também despertava neles coisas dolorosas, questões que nunca seriam realmente superadas e a culpa que sempre fora tão esmagadora dentro de si que ele queria apenas gritar.

A crueldade em meu mundo (o amor sob suas pálpebras).Onde histórias criam vida. Descubra agora