Nota sobre o autor

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     Nascido a 10 de Agosto de 1912, em Itabuna, no sul do Estado da Bahia, Jorge Amado,nasceu, como dizia sua mãe, «com a estrela»: um homem afortunado. Seu pai queria queo filho fosse doutor, e ser doutor naqueles tempos era formar-se em Medicina, Engenhariaou Direito.

      Jorge Amado, que desde os catorze anos participava em movimentos culturais e políticos,optou por Direito. Fez a vontade ao pai, mas não foi buscar o diploma e nunca exerceuadvocacia. Em compensação, no ano da sua licenciatura, em 1935, já era um escritorconhecido, autor de quatro livros que fizeram sucesso entre o público e a critica: O Paísdo Carnaval com que se estreou aos 18 anos, Cacau, Suor e Jubiabá. Em 1937, devido aoseu intenso envolvimento Político, viu toda a primeira edição do seu livro Capitães da Areiaser queimada em praça pública, o que o levou, em 1941, ao exílio na Argentina e noUruguai.  

     Em 1945, Jorge Amado uniu-se a Zélia Gattai, companheira de toda a sua vida.Deputado federal pelo Estado de São Paulo fez parte da Assembléia Constituinte votandoleis importantes, como a que ainda hoje garante a liberdade religiosa no país, Em 1947, oPartido Comunista foi ilegalizado e Jorge Amado perdeu os seus direitos políticos. Voltoupara o exílio, desta vez em França e na Checoslováquia, continuando a escrever e atrabalhar pela paz, agora em companhia de Pablo Neruda, seu velho amigo, de PabloPicasso, de Louis Aragon, de Nicolas Guillen, só regressando ao Brasil em 1952. Em 1961foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, vindo também a pertencer à Academia deLetras da Bahia, à Academia de Ciências e Letras da República Democrática Alemã e àAcademia de Ciências de Lisboa, sendo membro correspondente destas duas últimas. Oseu livro Gabriela, Cravo e Canela, publicado em 1958, teve grande sucesso e os seusdireitos cinematográficos foram vendidos para a Metro, o que possibilitou ao escritor acompra de uma casa em Salvador realizando assim o sonho de voltar a viver na sua terra.Em 1963, Jorge Amado muda-se com a sua família para a Rua Alagoinhas, onde temescrito os seus livros.     

    Jorge Amado foi agraciado com inúmeros prêmios internacionais, entre os quais:Prêmio da Latinidade (França, 1971), Prêmio do Instituto Italo-Americano (Itália, 1976),Prêmio Pablo Neruda (Rússia, 1989), Prêmio Etrúria de Literatura (Itália, 1989), PrêmioMediterrâneo (Itália, 1989), e o Prêmio Luís de Camões (Brasil-portugal, 1995). Recebeuainda os seguintes títulos, entre outros: Comendador da ordem de Andrés Bello(Venezuela, 1977), Comendador da Ordem das Artes e das Letras (França, 1979); GrandeOficial da Ordem de Santiago da Espada (Portugal, 1980), Grande Oficial da Ordem doMérito da Bahia (Brasil, 1981); Comendador da Ordem do Infante Dom Henrique (Portugal,1986), Grande oficial da Ordem do Rio Branco (Brasil, 1987), Ordem Carlos ManuelCéspedes (Cuba, 1988), Comendador da Ordem de Maio (Argentina, 1922), Ordem BernardoO'Higgins (Chile, 1993). É ainda Doutor Honoris Causa pela Universidade Lumière, Lyon II,França, Universidade de Bari, Itália, Universidade de Israel, Universidade Pádua, Itália eSorbonne, França. Jorge Amado faleceu na Bahia a 6 de Agosto de 2001. 

  Para Zélia seus ciúmes seus cantares suas penas o luar de Gabriela e a cruz do meu amor.

Para Alberto Cavalcanti a imagem de Gabriela dançando rindo sonhando.

Para o mestre Antônio Bulhões com toda consideração o seu perfume de cravo.

  Para Moacir Werneck de Castro moço bem apessoado em testamento deixou seus suspirosGabriela ai.

  E para os três reunidos à amizade do autor. 

(do Testamento de Gabriela) 


     Essa, história de amor -por curiosa coincidência, como diria dona Arminda - começouno mesmo dia claro, de sol primaveril em que o fazendeiro Jesuíno Mendonça matou, atiros de revólver, dona Sinhazinha Guedes Mendonça, sua esposa, expoente da sociedadelocal, morena mais para gorda, muito dada às festas de igreja, e o dr Osmundo Pimentel,cirurgião-dentista chegado a Ilhéus há poucos meses, moço elegante, tirado a poeta. Pois,naquela manhã, antes da tragédia abalar a cidade, finalmente a velha Filomena cumprirasua antiga ameaça, abandonara a cozinha do árabe Nacib e partira, pelo trem das oito,para Água Preta, onde prosperava seu filho.

     Como opinara depois João Fulgêncio, homem de muito saber, dono da Papelaria Modelo,centro da vida intelectual de Ilhéus, fora mal escolhido o dia, assim formoso, o primeirode sol após a longa estação das chuvas, sol como uma carícia sobre a pele. Não era diapróprio para sangue derramado. Como, porém, o coronel Jesuíno Mendonça era homem dehonra e determinação, pouco afeito a leituras e a razões estéticas, tais considerações nãolhe passaram sequer pela cabeça dolorida de chifres. Apenas os relógios soavam às duashoras da sesta e ele - surgindo inesperadamente, pois todos o julgavam na fazenda -despachara a bela Sinhazinha e o sedutor Osmundo, dois tiros certeiros em cada um.Fazendo com que a cidade esquecesse os demais assuntos a comentar: o encalhe do navioda costeira pela manhã na entrada da barra, o estabelecimento da primeira linha de ônibusligando Ilhéus a Itabuna, o grande baile recente do Clube Progresso e, mesmo, aapaixonante questão levantada por Mundinho Falcão das dragas para a barra. Quanto aopequeno drama pessoal de Nacib subitamente sem cozinheira, dele apenas seus amigosmais íntimos tomaram conhecimento imediato, sem lhe dar, aliás, maior importância.Voltavam-se todos para a tragédia a emocioná-los, a história da mulher do fazendeiro e dodentista, seja pela alta classe dos três personagens nela envolvidos, seja pela riqueza, dedetalhes, alguns picantes e saborosos. Porque, apesar do propalado e envaidecedorprogresso da cidade (Ilhéus civiliza-se em ritmo impetuoso, escrevera o dr.Ezequiel Prado,grande advogado, no Diário de Ilhéus), ainda se glosava, acima de tudo, naquela terra, umahistória assim violenta de amor, ciúmes e sangue. Iam-se perdendo, no passar dostempos, o eco dos últimos tiros trocados nas lutas pela conquista da terra, mas daquelesanos heróicos ficara um gosto de sangue derramado no sangue dos ilheenses. E certoscostumes: o de arrotar valentia, de carregar revólveres dia e noite, de beber e jogar.Certas leis também, a regularem suas vidas. Uma delas, das mais indiscutidas, novamentecumprira-se naquele dia: honra de marido enganado só com a morte dos culpados podiaser lavada. Vinha dos tempos antigos, não estava escrita em nenhum código, estavaapenas na consciência dos homens, deixada pelos senhores de antanho, os primeiros aderrubar matas e a plantar cacau. Assim era em Ilhéus, naqueles idos de 1925, quandofloresciam as roças nas terras adubadas com cadáveres e sangue e multiplicavam-se asfortunas, quando o progresso se estabelecia e transformava-se a fisionomia da cidade.    

   Tão profundo aquele gosto de sangue que o próprio árabe Nacib, afetado bruscamenteem seus interesses com a partida de Filomena, esquecia tais preocupações, voltando-sepor inteiro para os comentários do duplo assassinato. Modificava-se a fisionomia dacidade, abriam-se ruas, importavam-se automóveis, construíam-se palacetes, rasgavam-seestradas, publicavam-se jornais, fundavam-se clubes, transformava-se Ilhéus. Maislentamente porém evoluíam os costumes, os hábitos dos homens. Assim acontecesempre, em todas as sociedades.


  

Gabriela Cravo e CanelaWhere stories live. Discover now