Alana

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"A maioria das pessoas não entendem o estilo de vida que eu levo. Muitas delas não só não entendem como também criticam. Nós vivemos em uma sociedade tão opressora que, quando você não segue os padrões que são impostos por ela, então você é chamado de maluco. Para ser aceito você tem que agir de acordo com o padrão de "correto" da sociedade. E foi assim que vivi, durante a maior parte dos meus vinte e...

Enquanto digitava em seu diário no celular como fazia todas as manhãs, Alana se esqueceu de dar sinal no ônibus e acabou passando de seu ponto, mais uma vez. Apesar de fazer esse mesmo trajeto todos os dias há dois anos e conhecer a cidade como a palma de sua mão, ela sempre passava direto e tinha que voltar dois ou mais quarteirões até chegar no hospital em que trabalhava. Sempre tinha alguma coisa que a distraía: Um dia era a música nova que havia baixado, outro dia era o livro que estava lendo ou a paisagem que tanto amava, ou (e o mais freqüente), o sapato da moça que sentava um banco em frente ao seu.

Alana sempre foi uma pessoa que se distraía com certa facilidade, sempre com os pensamentos perdidos em algum lugar da sua mente. Ela desceu do ônibus aos tropeços, e correu os quarteirões que havia passado. Apesar de adorar correr e fazer isso por esporte, ela detestava se atrasar, então vivia com a impressão de estar sempre correndo. Passou pela portaria e mostrou seu crachá de identificação ao porteiro.

- Bom dia Seu Cosme.

O senhor que trabalhava na portaria do Hospital lhe deu um sorriso amarelado, resultado da nicotina que ingeria todos os dias.

- Bom dia dona Alana. Bom trabalho.

Ela parou por um momento para admirar a construção diante dela. O Hospital Infantil do Câncer era uma instituição nova na cidade de Monte Verde, que abrigava crianças em todos os estágios da doença e vindas de vários lugares do País. Sua construção em meio à cidade havia transformado Monte Verde em referência no tratamento do câncer infantil. Foi fundada por uma família muito rica e de renome na área médica, e atualmente era coordenado pelo doutor Rômulo Torres, bisneto do fundador do Hospital. Rômulo, ou doutor Torres, como preferia ser chamado, conduzia o Hospital de maneira competente, firme e sistemática, o que acabou lhe dando certa fama de 'general', apelido que ganhou dos funcionários devido à sua postura muito séria. Apesar disso, sempre fizera um excelente trabalho no hospital, o que acabou lhe dando certa credibilidade e atraiu os melhores profissionais da área. O HIC era referência no Brasil e também no exterior; contava com a mais moderna tecnologia e recursos avançados, além de pesquisadores envolvidos em diversos projetos bem sucedidos envolvendo não só o retardo da doença como, em alguns casos, sua cura. Rômulo se orgulhava de contar com uma equipe com os melhores profissionais, formados nas mais conceituadas Universidades e cem por cento comprometidas com o hospital. O prédio tinha dez andares, três deles destinados à pesquisa de tratamentos e curas. Os andares eram separados por tipos de câncer, e Alana trabalhava com todas as crianças, mesmo contra a vontade do diretor do Hospital, o Dr Torres, que dizia que ela não tinha capacitação técnica para lidar com as crianças. Mas quando ele não estava no Hospital, ela cuidava das crianças sob a proteção das enfermeiras, que a adoravam. Apesar de trabalhar por todo o Hospital, o lugar em que Alana mais ficava era no 4º andar, onde ficavam as crianças com câncer em fase terminal. Ela havia se apegado a elas de tal forma que era como se fossem todos da sua família. E o sentimento era recíproco, pois as crianças também a adoravam. Nos dois anos em que trabalhava como voluntária naquele lugar, Alana havia aprendido mais que em toda a sua vida. O amor que descobriu existir dentro de si era tamanho que não cabia dentro dela e precisava ser compartilhado. No 4º andar trabalhavam seis enfermeiras em cada turno, e Alana conhecia todas elas, mas sentia um carinho muito especial por Assunção, uma enfermeira na casa dos sessenta anos, mas que ainda tinha alma de criança. Antes de ir aos quartos e começar sua jornada diária, ela passava na sala das enfermeiras, para ver se havia tido alguma alteração no quadro clínico de algum paciente porque, apesar de não ser médica nem ter se formado na área da saúde, ela se preocupava não só com o estado das crianças, mas também com os cuidados que deveriam ter.

Razões do coraçãoWhere stories live. Discover now