Minha generosidade era grande, grande o suficiente para que os outros me vissem como um fácil alvo para seus jogos malvados. Mas também chamativo o bastante para atrair todas as coisas e pessoas boas para perto de mim, assim como Matthew, o meu príncipe. Desde o primeiro dia de aula na nova cidade para a qual me mudei, fui encarada como uma péssima ameaça e como uma boa aliada por alguns grupos de pessoas. No início, os olhares e comentários maldosos sobre o branco extremo de minha pele e o negro exagerado de meus cabelos me incomodava, mas como todo sofredor, minha salvação veio logo atrás. Matthew era diferente de todos aqueles adolescentes desocupados e ofensivos, apesar de estar sempre rodeado pelos alunos mais populares, seus belos olhos verdes focaram em mim, ali, preferindo passar despercebida e jamais desgrudaram.
Por ser o garoto mais gato e cobiçado do colégio, tive que enfrentar críticas e engolir muitos sapos, graças as bruxas em roupas de grife, que insistiam com o meu namorado que eu não era boa o suficiente para ele. Passei por muitas saias justas para permanecer ao seu lado e com o tempo, o conto de fadas foi perdendo o brilho, a princesa perdendo a vivacidade e o príncipe, possivelmente perdendo o interesse. No baile de primavera, me arrumei o melhor possível, determinada a resgatar aquele olhar apaixonado de volta para mim. Vestido rodado, salto alto, maquiagem, perfume, tudo! Ergui a cabeça e atravessei o salão, em direção ao meu namorado, mas meu caminho foi interceptado pela bruxa mãe, Penelope. Com seus cabelos loiros longos e ondulados e nariz aristocrático, me direcionou um sorriso falsamente amistoso e já ergui meu escudo, pronta para me proteger de qualquer que fosse o seu plano para estragar a minha noite.
- Tenho um presente para você, Branca! - Sacando seu iPhone com capa cor de rosa brilhante, gastou poucos segundo deslizando o polegar sobre a tela, até virá-la para mim. Não dei muita bola, mas a imagem congelada ali, surtiu o mesmo efeito em meu corpo. Os saltos altos que assassinavam meus calcanhares pareciam chumbados ao chão, os braços que esperavam enlaçar o pescoço de Matthew em uma dança romântica despencaram para as laterais do corpo e a mente sempre tão vigorosa e otimista, deu curto, me deixando no mais completo e desesperador escuro. Pisquei, na tentativa de apurar a visão e constatar que aquele, a quem a loira agarrava pelos braços e tascava um beijo flamejante não era meu namorado, mas não havia nada de errado com os meus olhos. Era ele.
Nem mesmo aquela técnica alemã de descrever diferentes situações para alcançar a descrição exata de certos sentimentos me ajudou a nomear o que eu sentia. Era como se aquela foto na tela iluminada do celular de última geração de Penelope fosse um buraco negro, capaz de arrancar tudo de mim, meu amor próprio e amor por Matthew, meu controle, minha força... E deixasse apenas a casca, a embalagem de uma Branca antes de bem com a vida. Sem olhar para trás, corri para fora do ginásio, parando apenas para arrancar de meus pés aqueles malditos sapatos e continuei correndo, até a minha cama e minha reclusão. Não liguei para Matthew, não respondi suas mensagens, e-mails ou visitas, mergulhei em um torpor profundo e bem vindo, que apesar de tomar a minha vida para si, parecia bem melhor do que enfrentar o mundo e aquele par de olhos verdes.
- Branca, por favor, minha filha! Você terá que levantar daí em algum momento! - Minha mãe incentivou, batendo de leva na porta. Era o quarto dia que não aparecia no colégio. Passei a revezar meu tempo entre embalagens de Doritos, Coca-Cola e filmes de romance antigos e o abraço confortável e carinhoso de minha cama. Minha aparência era tão péssima, que simplesmente parei de checar, quando no segundo dia, quase me confundi com um monte de roupas sujas e desgrenhadas. Não queria falar com ninguém, adotei a vida de alimentação nada balanceada e escuridão, até ter coragem de abandonar minha gruta e enfrentar a luz do sol e o grito dos problemas novamente. - Branca, olha, chegou uma coisa para você. A caixa está no nome da Sandra, acho que seria legal você abrir. - Uma brechinha da porta foi aberta, o suficiente para a caixa média passar e quando a luz do corredor me atingiu, gritei como o Conde Drácula, diante de um raio de sol. Minha mãe se sobressaltou e achou melhor me isolar ali, com a minha loucura.