1942.
No dia dos meus 17 anos eu causei a pior de todas as experiências funestas que tinham acontecido ao longo de toda a minha existência: havia pedido a permissão de meu pai para começar a dar aulas de piano para seus alunos.
Meu pai dedicou sua vida inteira à música clássica: passava a maior parte de seu tempo dedilhando um instrumento musical que eu logo mostrei meu maior interesse. Portanto, antes de dar meus primeiros passos e falar, eu já tocava de forma fluente o piano. E, para mostrar ao meu superior o quanto eu queria continuar a trilhar o rumo que ele havia começado, pedi com os olhos marejados para começar a lecionar.
Enquanto fora de casa a chuva arranhava os vidros das janelas, meu pai juntamente com a minha mãe sorviam, em silêncio perturbador, o delicioso cheiro dos pedaços de bolo. Como resposta, meu pai sorriu da mesma forma que ele fazia quando não podia comprar algo que eu cismava em ter. Dessa maneira, eu apenas deixei um suspiro modelar meus lábios, retirando-me da mesa sem esperar meu pai se pronunciar.
— Sehun, aonde vai? Nem respondi... — ele anunciou e eu arquei o sobrolho, indagando silenciosamente. — Posso desafiá-lo? Aceitaria? — no mesmo instante, sem hesitar, eu assenti em um estado cônscio de que quem sairia perdendo naquela proposta seria eu. — Tenho um aluno de deficiência visual e ele precisa de alguém com extrema paciência para ajudá-lo. E, vendo você agora, meu filho, seria perfeito para ampará-lo uma vez que ele perdeu sua visão há um ano.
Em contraste, de modo que meu pai não esperava, eu sorri para ele, aceitando a proposta novamente antes de me colocar a andar em direção ao meu quarto. Entretanto eu parei enquanto andava no corredor acarpetado.
— E qual é nome desse sujeito?
— Chama-se Yixing, um chinês que veio parar nesse fim de mundo há quatro anos.
***
Naquela manhã, as nuvens fugiram do céu e as ruas descansavam imersas em uma lagoa de neblina ardente que fazia os termômetros das paredes elevarem de uma maneira inexpugnável. Eu assistia a toda aquela ação caminhando por entre as ruas que se desenhavam como pernas de uma aranha, levando-me aos mais diferentes lugares daquela cidade onde não havia a pronúncia do amável e do afável, cujo único mérito era os incríveis talentos, que nunca seriam reconhecidos, espalhados nos mais diferentes pontos.
Uma casa que apresentava um dossel se estendeu em meu olhar e alcançou o infinito, cujos arcos da torre arranhavam o véu azul do céu. Mirei adiante da construção opulenta que se desfazia entre os arbustos e árvores que bloqueavam minha visão do interior da casa, portanto, uma vez que não havia uma campainha, bati palmas e chamei pelo proprietário.
E a visão de uma silhueta alta e longilínea me assustou ao se desenhar sob as luzes do sol que infiltravam na neblina com dificuldade. Pude notar com meus olhos prestigiados de águia um sorriso divertido desenhar nos lábios do homem que se aproximava.
— Posso ajudá-lo? — ele perguntou com o sotaque monocórdio e gutural da região chinesa.
— Sou Oh Se Hun, professor de piano que dará aula para...
Antes de eu terminar minha resposta, o sujeito entrou na casa, ignorando-me por completo, e pude escutar um murmúrio de vozes serenas no interior — o que, de fato, causou-me calafrios nas espinhas e nos pelos que tinha a certeza que não tinha até aquele momento —.
Em seguida, o homem longilíneo apareceu com o semblante mais amigável e sorriu para que eu pudesse entrar, abrindo o portão e me dando passagem.
— Você é filho do grande pianista Oh, certo? — a voz rouca e baixa me fez balançar a cabeça como um comando.
— Meu pai pediu para que eu começasse a dar aulas a Zhang Yi Xing, pois ele se encontra devidamente trôpego.
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Piano Cego
Romance"[...]Senti o roçar delicado de seus dedos em minha testa, cabelo e pálpebras. Ele percorreu uma trilha demorada até chegar aos meus lábios, mantendo-se imóvel enquanto desenhava o contorno de minha boca com o polegar. Engoli em seco à medida que mi...