Prólogo

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O sol se põe mais uma vez e eu observo pela janela do meu quarto de hospital as estrelas aparecerem novamente no céu. Ficar próximo a janela se tornou a minha rotina, mesmo que uma parte de mim desejasse ao menos sair correndo pela grama como as crianças fazem. Infelizmente, eu estou sozinha aqui. Algo que é completamente difícil para uma pessoa que descobre que está a cada dia mais próxima da morte, é como se existisse um relógio ao meu lado e um lembrete me avisando que isso tudo aqui vai acabar em breve. Tem momentos que é realmente o que eu desejo, quando a dor me invade e eu sinto a necessidade absurda de ter pelo menos alguns dias de uma jovem saudável, uma coisa que eu não sou.

Depois de descobri o surgimento desse câncer em meu cérebro a minha vida mudou totalmente, não que antes eu tivesse a rotina mais interessante de uma pessoa, mas pelo menos no orfanato eu tinha alguns amigos. Aqui eu estou sozinha escutando apenas as vozes de algumas pessoas que vem visitar os pacientes que ficam nas salas ao lado, e isso realmente se torna triste.

Meus cabelos já estão começando a cair devido a quimioterapia forte que tomo o que me deixa assustada. Não sei como irei ficar sem um fio de cabelo, não sei como será ainda mais minha vida daqui pra frente.

Algumas pessoas que trabalhavam no antigo orfanato me visitam uma vez ao mês, as vezes é bem mais complicado eles poderem vim e isso me deixa chateada. A minha felicidade e companhia tem sido alguns livros que acabei ganhando. As despesas com os remédios é alta, felizmente eu tenho ajuda de Melissa, uma das funcionárias do antigo orfanato, ela criou um projeto para que pudesse arrecadar e me ajudar no tratamento. Eu até tentei recusar, mas para uma jovem como eu que nem se quer cheguei a ser adotada e não tenho quem realmente me ajude, não tive como negar.

Meu médico disse-me há algumas semanas que eu poderia ficar bem, mas logo depois me informou que o tumor novamente voltou a se desenvolver. Não há formas de fazê-lo parar, eu simplesmente só tenho que aceitar o meu destino e esperar o momento que ele vai acabar comigo.
Se eu pudesse, estaria aproveitando meus últimos dias da melhor maneira possível e eu não estou nesse quarto por obrigação, mas por necessidade, eles não me impedem de ir caminhar, de ver as pessoas lá fora. O problema é que chega em um estágio da sua vida que você simplesmente se rende a tristeza que está em sua volta, aceita a sua dura realidade, e não sente mais ânimo de sair e ver como é a cidade completa pelo outro lado do muro.

Aqui sozinha nesse quarto eu aprendi a admirar os pequenos detalhes da vida. Pois, quando somos uma pessoa saudável, temos sempre a esperança a qual iremos viver muitos e muitos anos, mas quando chegamos a esse estágio, quando nos atingem com um determinado prazo de tempo como se existisse uma bomba relógio dentro da gente, passamos de alguma maneira, a ver as coisas de forma diferente, passamos admirar tudo até o mínimo detalhe. E aqui, eu sou imensamente grata por ainda poder acordar uma manhã, poder ouvir o som dos passarinhos próximo a janela e ler mais um capítulo de um dos meus livros favoritos. Passei até mesmo a perceber alguns detalhes que a personagem tinha, quando reli novamente o livro nesse ambiente minúsculo onde está sendo um local acolhedor para a minhas histórias que não serão contadas.

Sempre vi a vida através de um muro, seja do orfanato ou do hospital. Acho que realmente tive que lidar com isso, não é mais um problema ter que aceitar o que foi predestinado pra mim. No entanto, existe algo, a enfermeira me contou que quando um paciente chega a um estágio avançado demais ele tem direito a fazer um último pedido que o hospital tentará de todas as formas concretiza-lo. Andei pensando muito no que pedi, mas nunca fui o tipo de pessoa ligada a bens materiais, acho que isso não vale muito a pena quando o mundo já nos recheia de momentos que vale mais que qualquer coisa cara que possamos ganhar. Eu realmente só queria alguém para poder conversar, algo simples. Não posso negar que eu me sinto incomodada por ver as pessoas terem visitas e eu me ver sozinha sempre nesse ambiente. Existe uma parte de mim que necessita muito disso, esse será o meu último pedido, mesmo que eu passe ao menos alguns minutos ao lado dessa pessoa, mas apenas quero um amigo.

A solidão cansa, suga sua vida e te deixa ainda mais triste quando precisa enfrentar o que vai acontecer nos dias seguintes e meus dias já são duros demais para enfrentar sozinha. Não é que eu queira ver alguém sofrendo quando eu morrer, mas preciso apenas saber o que é ter um amigo outra vez e viver o resto do tempo que a vida tem a me oferecer.

— Com licença — a enfermeira Alice entra no quarto após bater a porta, me tirando dos meus pensamentos e eu sorrio fraco me sentando na cama. — vim trazer seu remédio.

— Obrigada, estava distraída admirando o céu, outra vez. — um sorriso aparece em seus lábios e me entrega o copo com água junto com um comprimido. Alice se senta alguns segundos na cama e me observa assim que entrego o copo.

— Está tudo bem com você? — balanço a cabeça em afirmação. — o que tem feito hoje?

— Estou terminando de ler o meu livro favorito outra vez. — ela ri e joga o copo descartável no lixo.

— Não veio ninguém te visitar hoje?

— Não, acho que só virão agora próximo mês. — ouço um suspiro escapar dos seus lábios e em seguida sai me deixando sozinha. Alguns minutos depois a porta se abre novamente e com ela entra o médico William, um homem alto de cabelos negros e pele morena.

— Cristal, posso conversar com você? — o doutor William se aproxima, mas não senta na cama como a enfermeira fez.

— Aconteceu alguma coisa? — questiono sem entender direito a preocupação estampada em seu rosto.

— Estamos te achando muito sozinha ultimamente, você é a única paciente que não tem visitas com frequência em um mês, não há nenhuma pessoa que possa passar uma tarde conversando com você? — nego com a cabeça. — precisamos resolver isso. Terei que ligar para o orfanato.

— Ninguém de lá poderá vim, já conversei com a Melissa. — os dois ficam em silêncio. — eu até iria pedi como um último pedido que alguém ficasse um tempo aqui comigo, mas acho que isso vai demorar um pouco não vai?

— O que?

— Meu último pedido? — pergunto com esperanças e ele sorri fraco.

— Sim, vai demorar um pouco. — William não deixa a preocupação sair de sua face e isso as vezes me deixa um pouco nervosa. — irei resolver isso, o filho de uma vizinha minha tem quase a sua idade. Não o vejo sair muito de casa, talvez ele pudesse ficar aqui com você alguns dias como voluntário para te fazer companhia.

— Sério? Faria isso por mim? — pergunto sentindo uma felicidade tomar conta do meu corpo.

— Sim, mas não irei prometer, vou tentar convence-lo — sorrio agradecida e ele abre um sorriso. — agora vai descansar um pouco, amanhã conversamos novamente.

— Obrigada — William e Alice saem do quarto e eu pego meu livro outra vez folheando suas páginas, continuando a minha leitura.

No dia seguinte o William passa no quarto para avisar que conversou com o filho da vizinha na noite anterior e ele viria hoje a tarde. Disse-me também para não o questionar muito sobre sua vida pessoal nem nada a respeito de sua mãe. Apenas falei que não iria perguntar, mas mesmo assim isso me deixou curiosa.

Um pouco mais cedo tomei um banho e fui almoçar junto com os outros pacientes, haviam duas crianças sentadas cada uma em uma cadeira de roda junto com seus pais. Eu as observei por longos minutos o que me levou a questionar-me o porquê eu não tive o direito de ter uma família, o porquê dos meus pais terem me abandonado quando criança sem nem se quer me dá uma alternativa de escolha. Fiquei ali imaginando como seria ter a presença deles em minha vida e retornei ao meu quarto. As horas pareciam passar lentamente e a cada minuto eu me sentia ansiosa para a chegada do garoto que eu o teria como um amigo, alguém que eu poderia conversar e passar o dia rindo de coisas idiotas.

Nesse momento me encontro impaciente, totalmente ansiosa. Olho uma última vez para o relógio e vejo que já são 14:26. Será que ele desistiu de vim? É a única pergunta que se passa em minha mente, mas ela simplesmente some quando ouço algumas batidas na porta e logo ser aberta por um garoto de cabelos loiros. Ele entra totalmente sério e eu o encaro: parece ser uns 10 cm maior que eu, seus olhos são de um castanho meio esverdeado e sua pele é clara. Um sorriso meio sem jeito aparece em seus lábios e meu coração acelera, não sei se é de felicidade por saber que daqui em diante eu terei alguém do meu lado para me fazer companhia ou se é nervoso por justamente ser um garoto, onde quase toda minha vida vivi um pouco distante dos meninos do orfanato, exceto o Cristian e o Jake.

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⏰ Última atualização: Dec 15, 2018 ⏰

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A garota do quarto 32Onde histórias criam vida. Descubra agora