Maria Cristina Cumbana Lima, 2005
O mês de Maio entrou num piscar de olhos, com terramotos, processos cíveis, processos laborais e perguntas capciosas, mas acabamos por sobreviver aos testes finais. Agora são as férias. Embora continuemos a estagiar na CRW. Moysha suspendeu, momentaneamente, o estágio, viajou a passeio a ver se aproveita o intervalo. Quem deve estar desejoso em ver-me pelas costas neste estágio, é o meu chefe Daniel de Barros. Já ouvi dizer que ele acha-me arredia e possuidora de um humor muito negro. No primeiro dia do estágio, por exemplo, veio todo animado pedir-nos ajuda com certos documentos. Mas eu não colaborei.
- Tenho duas petições, para as quais queria solicitar a vossa assinatura – explicou na ocasião - A missão de Mobora, em Aruanda, ainda não está tombada e duvido que esteja registada como património cultural. Gostaria de submeter um pedido para que se crie um decreto especial de proteção à missão.
- E qual é a outra petição? – perguntei ligeiramente irritada. Não era com ele que estava irritada. Era comigo mesma. Por um lado, não me conformava por tão cedo estar a perder o jogo, sem conseguir negar o quão atraente o meu chefe era, por outro lado, odiava-me por não conseguir dominar o ciúme do laço de amizade que se formava entre ele e Angelina.
Ele explicou que se tratava de um abaixo-assinado a ser remetido ao Ministério do Ambiente, para a criação de uma lei que restringisse ou proibisse o uso de plásticos, já que os mesmos são nocivos porque fabricados a base de polietileno. Segundo ele, precisávamos de usar outro tipo de plásticos, mais resistentes, menos poluentes. E apesar de ele estar coberto de razão (sentira na pele o problema destes plásticos de rua, que em tempos haviam causado um estrago fedorento no meu prédio), recusei-me a assinar a petição. Apenas por teimosia gratuita. À medida que o estágio progrediu, passei a conviver ainda mais de perto com ele, porque dividíamos o mesmo espaço. Houve um acidente com amostras biológicas importantes, uma pequena partida que fiz com ele, mas que deve ter me posto por um fio. Acho que só não me despedia, porque segundo ele próprio, tenho revelado muito potencial. E assim ia a vida.
A clínica onde trabalha minha mãe está calminha, por ser sábado. Aquela já é a segunda ou terceira terapia marcada com Angelina. As outras não presenciei, mas desta vez, decidi acompanhar a sessão, para ver de perto a loucura. António também fez questão de vir. Veio com uma bíblia.
- Veremos se progrediremos bem, hoje, minha querida – tranquiliza minha mãe a Angelina que parece assustada. E poucas são as coisas capazes de deixarem a baixinha com medo. A possibilidade da hipnoterapia funcionar coloca adrenalina em todos nós. Eu não sei como me sinto quanto a estas coisas. Soa tudo tão espiritual, tão desconhecido, com um espaço muito grande do improvável.
António, Angelina e eu entramos então, na sala do consultório com cheiro a fresco, organizado e limpo. Uma cadeira preta está perto da vasta secretária, assim como o sofá dobrável logo a seguir. Minha mãe veste a bata branca, indica-nos os assentos e roda a rosca do sofá até ficar nivelado.
- Angelina, querida! Deita-te e tenta ficar o mais confortável possível.
Eu fico encostada à parede a observar. António está muito atento, apertando a sua pasta de mão contra o colo. Angelina descalça as sandálias, recosta-se no sofá nivelado.
- Quero que feches os olhos e respires fundo, bem devagar. Relaxa – pede a minha mãe sentada ao lado do redobrado.
Observo a Angelina respondendo aos estímulos, mergulhando em curtas e pausadas respirações. Os batimentos do meu coração também abrandam. Sei que os olhos humanos têm consciência de que eles não alcançam tudo o que existe no mundo. No fundo do nosso ser, sabemos que a existência não passa de uma mímica, réplicas em tentativas de aperfeiçoamento, orquestradas dentro do conjunto infinito fabricado pelo grande criador. Pelo menos é isso que que estas terapias indicam. A Angelina quer curar-se de algo, usando terapia para descobrir um possível trauma que pode estar ligado ao passado. Quão profundos são os nós entre o passado, o presente e o futuro?
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Sina
RomanceA última coisa que Pedro Lucas deseja, é ver a sua amada traficada como escrava às Ilhas Francesas. Dona Luísa Noronha, entretanto, dona do Prazo de Aruanda e mãe de Pedro Lucas, é uma mulher que não mede esforços para alcançar seus objectivos, traz...