A droga de uma comédia romântica

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"Nós não nos conhecemos, mas quer tomar um café?"



A chuva grossa parecia não ter fim.

Claro que Yuri gostava de dias chuvosos, o cheiro de terra molhada e a ideia de passar o dia inteiro enterrado debaixo das cobertas com uma xícara de chocolate em mãos era bem agradável. Mas isso só quando ele estava no conforto de sua casa(no caso, um apartamento minúsculo de três cômodos que ficava longe de tudo). Quando o rapaz estava no trabalho, atendendo clientes grosseiros até suas pernas doerem, tudo passava muito devagar. Mas um dia mudava seu mal humor usual.

Sempre na terça-feira.

Tinha escovado o cabelo duas vezes na última hora, deixando-o preso em um rabo de cavalo com algumas mechas loiras presas atrás da orelha, e o Halls preto o deixava com um hálito agradável. Não que importasse, iam ficar a mais de três metros de distância um do outro. Mas Yuri gostava de estar preparado para tudo.

Rodou pelo café algumas vezes. Limpou e serviu mesas, alternou entre Halls e as balas de café servidas junto dos pãezinhos artesanais e café. Roeu as unhas e estava na quarta xícara de café quando o sininho da porta tocou, congelando tudo.

Viktor, seu amigo, teria chamado aquilo de crush.

Os cabelos pretos raspados em um undercut faziam conjunto perfeito com a pele amendoada e os olhos castanhos cor de chocolate. O sorriso, nas raras vezes que surgia em seu rosto, parecia ter a luz de mil sóis. Estava meio molhado por causa da chuva, e as gotículas de chuva escorrendo por seu rosto o deixavam tangível.

Tão real. Tão humano.

 Plisetsky, mesa 16, rápido. — Gritou a chefe da cozinha. Apressou o passo, tentando controlar o rubor e os batimentos acelerados, evitando fazer o papel clichê de adolescente apaixonado.

Nos seis meses que se fazia um frequentador assíduo do café, o moreno sempre pedia a mesma coisa, e Yuri talvez(mas apenas talvez) tivesse decorado suas preferências. Café preto, sem açúcar. Uma barra de chocolate ao leite e um Saint-Honoré para acompanhar. Pelo jeito que sorri quando o rádio começa a tocar, sua música preferida é Welcome to the madness.

Se sentia mal por observar sem falar nada. Mas além de estar no meio do expediente e não poder se dar ao luxo de ficar conversando sem levar bronca, se sentia envergonhado demais para puxar assunto. Aquilo não combinava com seu modo de ser, se fosse qualquer outra pessoa, não ficaria tão constrangido. Mas não era qualquer um.

  — Já se decidiu, senhor? — Tentou arrancar o máximo de cortesia em sua fala trêmula; nunca fora um exemplo bom de gentileza. Na realidade, a maioria das pessoas o considerava grosseiro antes de conhecê-lo realmente. E mesmo com amigos mais próximos, ainda mostrava a personalidade forte e sem filtro.

Um dos raros sorrisos do bronzeado percorreu o rosto do mesmo, causando arrepios em Yuri.

  — Não precisa me chamar de senhor, faz com que eu pareça velho. — Brincou, balançando a cabeça. Ou pelo menos pareceu uma brincadeira. Era meio difícil decifrar a expressão sempre fechada daqueles olhos castanhos frios — Vou querer um café preto, sem açúcar.

  — Certo   — O de cabelos loiros mais anotava bobagens do que os pedidos, e escreveu o pedido no canto da página, ao lado de um desenho de sua gata de estimação, Potya. Se apoiou brevemente na mesa, em uma tentativa falha de flerte   — Mais alguma coisa?

O outro balançou a cabeça em negativa , e surgiu um sorriso ladino que raramente brotava em seu rosto. Yuri virou o rosto, sentindo o rubor subindo aos poucos pelas bochechas pálidas e uma risada nervosa entalada na garganta. Deu um tapa na própria testa. Estava sendo tão infantil! Se continuasse daquele jeito...

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