As moedas

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Era incrível, como um ambiente continuava com a mesma vibração, fazia cerca de nove anos em que eu havia me mudado pra casa e todo ano levava a mesma amiga; uma espécie de tradição.

- Já achou as moedas? - Ela dizia isso repetidamente, enquanto eu, a dona da casa dava uma de escrava a procura de mais uma das brincadeiras idiotas de Júlia

- Não tenho duas moedas de mesmo valor... A não ser que eu... - Soltamos um olhar sincronizado, de quem tinha claramente pegado a referência

Saimos do meu quarto, e fomos em direção ao do meu irmão mais velho, meter a mão em todas as suas moedas socadas em um cofre em formato de extintor de incêndio, e lá dizia ''Somente em casos de emergência'', claramente não era uma emergência. O quarto era escuro o suficiente, e então pegamos o cofre silenciosamente, já que o resto dos familiares se encontravam na cozinha preparando a janta.

- E agora? - Eu tinha pegado as duas moedas de maior quantia

- Você é burra? vai jogar duas moedas de um real fora de graça??

Revirei os olhos sem questionar, e peguei as duas menores:

- Não é porque tenho duas bolas, que sou vidente

Ela soltou uma risada, mas logo voltou a fazer a pesquisa na internet, perguntei se ela já não tinha feito antes, e fiquei no vácuo. Sem dar uma palavra, se levanta e apaga a luz

- Você tem certeza, Júlia? To com um pouco de medo

- Para de ser medrosa, não é porque um velho morreu no seu quarto que precisa ter medo

Fiquei confusa, não me lembro de ter contado pra ela sobre isso. Nunca me preocupei tanto pelo ciclo da vida, pessoas velhas morrem.

- Okay, lembra: Cara e coroa significa ''talvez'', cara e cara ''sim'', coroa e coroa ''não''- Como sempre fora a mais corajosa, por esse motivo começou.

Não tinha muita ideia de como brincar dessas coisas, odiava ver garotas burras em filmes invocando espíritos, me tornei oque jurei destruir. A observei, o quarto não se encontrava completamente no escuro, um poste no jardim fazia sombras pelo quarto, destacando a silhueta dela e algumas figuras dos moveis. Era de uma segurança inacreditável, ela movia as duas moedas nas mãos e as chacoalhava em um ritmo frenético, enquanto repetia pela segunda vez: ''Posso entrar?'', e então abriu as mãos pela cama, como se fosse um jogo de dados. ''SIM''

- Não sei se quero continuar... - Fui interrompida

- Sophia, amanhã eu vou voltar pra casa e não teremos feito nada de emocionante, faça isso por mim. É só uma brincadeira

- Aposto que para Hitler no começo foi só uma brincadeira também. - Tomei as moedas de sua mão, fiz os mesmos movimentos e repeti o mesmo. ''NÃO''.

- Que pena, queria tanto jogar - Digo com o maior tom de sarcasmo.

- Joga de novo.

- O espirito não quer

- Foda -se, eu quero.

- Manipuladora de merda - Fiz tudo de novo, e deu sim - Satisfeita? Agora estou presa com o satanás.

- É só um cara morto, um espirito.

- Não falei dele, diaba.

Começamos a rir, e ela fez uma pergunta ousada, ''Você quer nos machucar?''. Cara e cara, essa foi a resposta . Júlia tomou uma expressão séria

- Melhor pararmos, me deixa sair e faz o mesmo - tomei as moedas, e fiz os mesmos movimentos e pedi pra sair.

SIM.

Por algum motivo eu estava tomada por um medo, como se estivéssemos rodeadas por uma energia pesada. Fiquei agoniada para ligar as luzes, nunca fui fã do escuro, mas pude perceber ela fazendo jogadas consecutivas, e entrando em desespero

- Qual o problema?

- Esse merda não me deixa sair - Não aguentava mais escuta - la repetir a mesma coisa 5 vezes

- Chamando a gravidade de merda?

- Vamos jogar as moedas fora

- Pensei que tinha que pedir pra sair, se existem regras acho que é pra serem seguidas - Disse dando ênfase em ''regras'' e movimentando as mãos, era uma mania que eu tinha

- Eu não sigo as regras, elas que me seguem

Júlia levantou - se, acendeu as luzes e abriu a porta do meu quarto, movimentando os braços para minha passagem.

Passamos pelo corredor, ela me entregou as moedas, e as enfiei no bolso. Passamos pela porta seguindo o extenso jardim, onde só uma parte se encontrava iluminada, mas era suficiente para saber onde os pés se encontravam

- Existe alguma outra regra? - Falei enquanto brincava com as moedas em meu bolso

- Jogar em um terreno baldio

- Por aqui não tem isso

Ela ficou calada, e seguiu ate a porta menor do portão, onde a facilidade de abrir era perceptível, apenas puxar uma minúscula alavanca que se prendia a portinha. Por um minuto hesitei de abrir a porta pra fazer uma outra pergunta, ficamos em silêncio.

- Qual o problema?

- Não podemos só jogar no lixo? Tá escuro la fora.

Ela fez a maldita cara de ''Really?'' e puxou meus dedos, que pressionavam a alavanca, fazendo o portão fazer um ''clock'' e ficar entre aberto. Olhei pela brecha, e notei que a escuridão se encontrava, mas havia algo diferente, um silencio ensurdecedor com brinde um maldito frio na espinha. Olhei pra ela, que estendia a mão pra pegar as moeda, com a outra mão empurrou o portão pra facilitar a sua passagem, colocou um dos pés pra fora dando um sentido de ''meia lua''.

Uma de minhas qualidades era a visão e uma audição apuradíssimo, e pude ouvir barulho de algo correndo em uma velocidade anormal, como se de acordo com suas pisadas o chão desmoronasse. Segurei o braço dela, e cerrei os meus olhos para um canto da rua, uma figura preta, monstruosa, um cachorro de tamanho absurdo corria em nossa direção, pela primeira vez na vida não pensei, apenas a puxei bruscamente pra dentro enquanto saiamos correndo aos berros.

Júlia não fechou o portão. E tive uma estranha sensação de um loop na escuridão, o jardim era grande, mas não grande o suficiente pra uma maratona interminável, principalmente uma corrida sem locomoção, uma corrida de um só maratonista

Um só?

Parei de correr ao perceber que não estava saindo do lugar e não pude ouvir outros passos além dos meus.









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⏰ Last updated: Dec 18, 2018 ⏰

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