Prólogo

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 Na primeira vez que ele me tocou eu senti minha cabeça girar.

Era a tarde de um sábado, o calor era intenso e o pouco vento que havia não era suficiente para dar a nossa pele o alívio que precisava. O barulho da multidão era ensurdecedor. A cada movimento diferente no campo uma nova onda de gritos surgia. 

Confesso que essa era um ambiente completamente diferente para mim. Eu não entendia nenhuma regra, a única coisa que eu saiba é que o nosso time deveria balançar a rede para marcar o gol. Eu ainda estava surpresa em como facilmente aceitei esse convite, apesar de que Oliver poderia ser bem convincente ou talvez ele só me conhecesse tão bem que sabia que eu não perderia a chance de provar que eu estava certa.

Desde quando ele havia comentado que futebol era sua fraqueza e que assistir esgotava qualquer paciência que ele tinha, eu terminei por desafia-lo a ver quem era o pior. 

A multidão se enfurece. O campo de futebol estremece quando um passe errado da vantagem para o time inimigo. A maioria das pessoas xingam os jogadores e outras pessoas como Oliver e eu generalizam tudo.

"Eu não acredito que vocês ganham pra isso." Oliver grita para o nosso time, mas ninguém escuta. São muitas as vozes que se sobrepõem sobre as outras. Os gritos viram raivosos sussurros. 

O próximo passe errado não dá só a vantagem para o time inimigo como eles aproveitam e balançam o gol primeiro. 

"Puta que pariu", Oliver e eu falamos na mesma hora o que provoca um riso imediato de ambos. "Se fosse para passar essa vergonha era mais fácil me colocar em campo e eu ainda faria melhor." Oliver está rindo mais do que devia o que prova que ele realmente duvidava em como posso me transformar ao assistir futebol.

Dentre muitos passes errados cerca de quinze minutos depois do gol do time inimigo é a nossa vez de comemorar. A rede finalmente balança ao nosso favor. A energia que o estádio emite é inacreditável nem ao menos parece que estávamos em fúria há minutos atrás. 

A euforia da torcida dura longos minutos. Todos usam a força de seus pulmões para gritar pelo time. Eu faço o mesmo, porém com o calor que está fazendo o meu corpo não reage bem a toda agitação. Eu sinto uma leva tontura. Todos estão em pé ainda gritando, então quando eu sento em meio a toda agitação Oliver percebe.

Seu olhar é preocupado, mas o sorriso que eu dirijo a ele parece trazer certa calma. "A minha pressão apenas não consegue se manter muito alta com esse calor." Após essa frase ele rapidamente surge com um copo de água e entrega nas minhas mãos.

Oliver se senta ao meu lado e observa atentamente eu bebendo o copo inteiro de água.

"Se sente melhor?" Eu aceno com a cabeça em sinal de afirmação. Ele não liga de perder a festa que todos ainda estão fazendo para ficar ao meu lado.

Ele parece confortável. Tão confortável que ele passa seus braços por cima do meus ombros. Ele está sorrindo e com o olhar fixo no jogo a sua frente. Estou consciente que esse foi um movimento completamente natural, mas o peso de tudo muda quando Oliver toca sua mão no meu braço. 

Oliver é meu amigo há um pouco mais de três anos, mas só nos aproximamos nos últimos meses. Em todo esse tempo o nosso contato foi apenas o usual. Um abraço de cumprimento e um de despedida. Éramos amigos por causa de nossos amigos. 

Então quando ele me toca é tudo uma surpresa. No momento em que seus dedos tocam a pele do braço um arrepio percorre todo meu corpo, meu sangue fica quente e minha cabeça gira. Tudo ao mesmo tempo.

O toque é simples, ele apenas está apoiando o peso da sua mão sobre meu braço, no entanto, segundos depois ele faz o primeiro movimento. Ele move lentamente os seus dedos sobre a minha pele. Minha cabeça gira novamente e meu sangue ferve.

"Você está bem Lena?"Ele diz calmamente e mantém seus olhos sobre o meu rosto. Eu não sei se pareço assustada ou se pareço que estou passando mal.

"Eu estou bem sim", minha voz provavelmente não sai em volume normal.  Ela sai um pouco alta demais, mas ele parece não se importar e sorri. Sua atenção se fixa novamente no jogo.

Ele então faz de novo. O mesmo movimento preguiçoso dos seus dedos sobre meu braço. Às vezes ele para e consigo voltar ao normal, mas dura somente alguns segundos porque ele recomeça tudo novamente.

De repente eu me tornei mais ciente do meu corpo do que em toda minha vida. É como se agora eu pudesse sentir a forma como meu sangue esquenta só porque ele está me tocando. 
É como se só agora eu me desse conta do quanto meus batimentos parecem irregulares e do quão alto é o barulho que ele faz. 
É como se só depois que Oliver me tocou eu ficasse ciente de todas as partes existentes do meu corpo. 

Eu não posso deixar de olhar para ele nesse momento. O seu olhar está fixo no que está a sua frente, mas eu não consigo. Eu só consigo olhar para o seu rosto e memorizar cada detalhe que eu nunca ousei reparar antes. 

Eu nunca reparei a forma como a linha dos seus olhos suavizam seu rosto ou em como o olhar dele parece ser tão brilhante a ponto de me fazer mudar de ideia e concordar que olhos castanhos escuros são mais bonitos do que qualquer outro.

Eu nunca reparei em como sua pele parecia convidativa ao toque e que mesmos as pequenas marcas da adolescência não retiram esse desejo.

Eu nunca ousei reparar no quão convidativo eram seus lábios até agora. Os seus lábios são linhas finais e completamente o aposto do meu, mas do mesmo jeito há algo em seus lábios que agora me chamam a atenção. Talvez seja a forma como eles ficam mais finos ainda quando ele sorri e isso de certa forma é coisa mais charmosa sobre ele. Ou talvez seja sobre a forma como ele passa os dentes pelos lábios de forma tão natural que automaticamente cria em mim o mesmo desejo. 

Até mesmo seu cabelo que claramente está precisando de um corte é convidativo. Minhas mãos de repente sentem uma necessidade absurda de passar os dedos entres seus fios e saber se a textura deles é tão grossa quanto aparenta. 

O meu corpo se tensiona sobre a cadeira do estádio no momento em que Oliver fixa os seus olhos sobre o meu. Estamos parados somente focando no olhar um do outro. É estranho olhar para ele e me sentir tão vulnerável de repente. Ficamos suspensos na troca de olhares por alguns minutos até que sua voz corta o nosso transe.

"Lena?", Ele diz. Sua voz soa firme, mas lá no fundo eu ouço meu nome virar um pergunta na sua boca. 

Sua boca.
Eu não consigo parar de olhar desde o momento em que me permiti olha-la. Quando meu nome sai da sua boca eu tremo.

O seu olhar.
Ele está mudando sua atenção agora. Ele abaixa o olhar para a minha boca e o mantém parado por longos segundos. 
Sua língua passa por seus lábios e por mais que eu queria desviar o olhar, eu continuo presa a essa momento. 

Parece uma eternidade até o momento em que se quebra toda a tensão. Oliver parece sair do transe em que ambos caímos. Ele pisca um par de vezes e endireita sua postura. Isso acontece no mesmo instante em que o apito encerra o primeiro tempo do jogo. Todas as pessoas do estádio começam a se mover. Há conversas paralelas em todos os lugares e as pessoas começam a se movimentar para comprar bebidas e ir ao banheiro.

"Vou buscar um refrigerante, você quer?", Ele diz. É estranho como seu tom de voz parece natural, eu não sinto que sou capaz de falar ou me mexer desde o momento que senti os seus dedos tocando a minha pele. 

Oliver se afasta de mim e segue o fluxo da multidão em direção a parte de trás do estádio. Eu fico sentada esperando que a nuvem que se instalou desde aquele breve momento suma.

Eu fico tentando esquecer a sensação, mas não vai embora.
Mesmo quando ele volta e fica em pé ao meu lado quando o juiz apita o recomeço do jogo. Não some quando eu me despeço dele após o jogo terminar.

Na primeira vez que ele me tocou eu não senti só minha cabeça girar.
Eu acendi. 

Quatro estaçõesWhere stories live. Discover now