A Outra

1 - Aqui se faz, aqui se paga

          Era madrugada na pequena cidade de Vilharejo, interior de São Paulo. A cidade era conhecida pelo esquecimento, nem a cidade de Campinas que é o centro da região falava sobre Vilharejo, mas dentro de cidades pequenas as pessoas são gigantes, todos se conhecem.
          A cidade tem uma rua principal chamada de Amarílis que dá acesso ao mercado Boa Compra, a padaria do seu Luís e a casa da família Nazzaro que fica no fim da rua que faz cruzamento com a menor rua de Vilharejo, a rua Delfínio. Não sei se você é um bom entendedor de plantas, mas cada uma das oito ruas de Vilharejo tem um nome de flor, o porquê disso deve ter ficado no esquecimento, como a história que vou contar agora.
           Havia algo estranho com a família Nazzaro, uma mulher grávida e o delegado da cidade, que trabalhava a maior parte do tempo em Campinas sendo mais um submisso do que atuando com postura de fato. E nessa madrugada, às 2:46 algo que não deveria acontecer, aconteceu.
            Você sabe o que acontece quando se tira uma peça de um quebra-cabeça, não sabe? O resultado final é decepcionante. Agora imagine se essa peça tem vida, como ela se sentiria excluída do quebra-cabeça? Talvez ela não saiba ainda, mas é a peça mais importante, pois enquanto estiver ausente o jogo não se completa, ela é o desfecho.
            Voltando a madrugada, com o frio conhecido daquele Vilharejo, pessoas dormindo com as janelas fechadas e ouvindo as árvores fazendo sons do lado de fora, os cobertores dos pés a cabeça sem deixar espaço para o vento gelado que entra pela beira das portas. Alguém caminha solitário no lado de fora.
            Mas calma, é necessário olhar melhor. Essa pessoa com uma blusa de capuz e botas até os joelhos não está sozinha, ela carrega alguém nos braços, ela carrega uma criança, um bebê.
            Por que a velocidade? Por que a pessoa treme mais que o normal para uma noite fria? É assustador o modo que ela tenta se controlar sem sucesso. Se alguém se aproximar mais, tampará os ouvidos para evitar o ranger dos dentes. Eu vejo agressividade naquela pessoa que não consigo definir como homem ou mulher, eu vejo medo.
            Fico observando e tentando obter uma explicação, pra onde está indo? Ou está voltando? Não existiam bebês na cidade de Vilharejo até aquela madrugada, eu não estava vendo coisas.
            Mas eis que no dia seguinte temos a notícia do ano em Vilharejo. Sofia Nazzaro, a mulher grávida teve um bebê, o nome da garota é Stephanie Nazzaro.
            Ou pelo menos é o que diz a certidão.
            Crianças crescem ouvindo que bebês são trazidos por uma cegonha, eu cresci guardando o segredo de que o bebê chegou nos braços de um desconhecido em Vilharejo, mas um dia a verdade virá a tona e descobriremos de fato o que aconteceu nessa madrugada estranha.