DEPOIS DA MEIA-NOITE

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Queria saber onde estava com a cabeça quando me deixei levar pela insistência da Carlinha e aceitei a ideia de passar a virada do ano na praia. Ser mais um no meio de todas as pessoas amontoadas na areia que brigavam por um espaço me incomodava, principalmente por ter que lidar tão de perto com a competição silenciosa de quem parecia mais animado e cheio de esperança com o ano que estava prestes a iniciar. Mas o que mais me irritava naquilo tudo eram as superstições, especialmente a das cores. Nunca acreditei em nenhuma delas e sempre achei uma grande besteira. Ao meu ver, a única coisa que vestir amarelo ou rosa poderia mudar na vida de alguém era deixar claro que a pessoa estava encalhada ou precisando de grana. Ou seja, uma grande fofoca disfarçada de tradição.

Ao voltar a atenção para meus amigos, notei que conversavam a respeito da novela das seis e sabia que Fabi era a culpada por aquilo. A melhor amiga de minha prima era completamente fascinada por dramaturgia, estudava teatro e sonhava em seguir carreira no meio. Mas ao contrário de meu melhor amigo Mauro, que tinha a invejável habilidade de conversar sobre qualquer coisa e parecia bastante animado com o tema, sabia que se tentasse participar da conversa acabaria como o meme da Glória Pires no Oscar, sem ser capaz de opinar.

Olhei em volta enquanto bebia um gole da cerveja ainda gelada e avistei uma garota encostada num balcão a poucos metros de distância. Seu semblante era tão pensativo e contrastante com todos ao redor que meus olhos acabaram sendo atraídos por ela. Não demorou muito até que me notasse também e no instante em que nossos olhares se encontraram, levantei o copo em minha mão cumprimentando-a. Ganhei um sorriso tímido em troca e encarei aquilo como um sinal positivo. Fui na direção dela para me apresentar, mas antes que tivesse a chance de me aproximar, um rapaz de cabelo encaracolado e muito certo do que fazia a abordou.

– Caê, depois dessa tô quase trocando de blusa contigo. – Carlinha disse assim que me reaproximei do grupo. Agradeci por Mauro e Fabi estarem tão entretidos a ponto de não terem percebido o ocorrido.

– O que uma coisa tem a ver com a outra? – Perguntei, colocando a mão nos bolsos da bermuda e encarando-a, sério.

– Como assim o quê!? – Ela retrucou. – É rosa! Tem tudo a ver! Você precisa ser menos cético, primo! Um pouco de superstição não faz mal a ninguém. – Minha prima colocou as mãos na cintura e fez uma pequena pausa antes de continuar. – Sei que você não acredita nessas coisas, mas tenta abrir esse coraçãozinho e pula as sete ondas com a gente quando der meia noite. Um pedido nunca é demais! Quanto mais sete!

Os sete desejos não enchiam meus olhos e minha mente só conseguia pensar em uma coisa que gostaria que se realizasse, mas que, infelizmente, não dependia apenas de mim para ser mudada. Assim que a contagem regressiva terminou e os fogos romperam no céu, abri meu melhor sorriso e tentei esconder o pensamento que me atormentava, não queria estragar o brinde. Apesar da insistência de Fabi e Carla, recusei-me e a pular as sete ondas.

– E não é que esse negócio de pular onda funciona mesmo? – Mauro deixou escapar, olhando animado para o celular.

– Do que você tá falando? – Fabi, curiosa, perguntou.

– Há alguns dias atrás dei match com uma garota no Tinder e temos conversado bastante. Ela acabou de responder meu story no Instagram, disse que tá numa festa aqui perto e falou que eu e meus amigos somos muito bem-vindos. E aí, vocês animam?

Claro que animamos, não é todo dia que se é convidado para uma festa num condomínio de luxo da Barra da Tijuca. A casa estava lotada, o número de pessoas por metro quadrado nos ambientes internos e externos era tão absurdo que tive a impressão de ter sido transportado para uma comédia americana de faculdade e fraternidades. Garotas de lingerie e rapazes de cueca tomavam conta da piscina e posavam para fotos nas boias de cisne e flamingo enquanto um grupo jogava beer pong próximo à varanda e um mar revolto de mão se balançava ao som do dj animado que comandava a noite. Não demorou muito até que Mauro sumisse e Fabi e Carla fossem abordadas por uma garota extremamente simpática que claramente queria apresentá-las para um dos amigos. Resolvi dar uma volta pelo lugar em busca de algo ou alguém que pudesse me distrair um pouco dos pensamentos que não me abandonavam.

Depois da meia-noite [CONTO COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora