Luzes de Natal

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Depois de três semanas mergulhadas em auto-piedade e garrafas e mais garrafas de vinho e cerveja, percebi que apesar de querer muito, a vida não tinha parado por causa dos meus ataques de choro ou de raiva. Então, diante de um novo apartamento praticamente vazio e com lixo e garrafas vazias por toda parte, vi que eu precisava de uma mudança. E felizmente eu tinha a data perfeita para isso.

O natal tinha por obrigação despertar o melhor das pessoas e inspirar o sentimento da mudança e da benevolência. Apesar de nunca ter sido uma data que mexesse comigo em grandes proporções, neste ano eu me aproveitaria disso. Pegaria todo aquele lenga lenga de paz, esperança e blablablá... queria que minha vida estivesse diferente e tentaria qualquer coisa para conseguir.

Porém eu tinha pouquíssimo tempo para que a graça natalina caísse por sobre o meu apartamento. Era véspera de natal e a única coisa que brilhava em meu apartamento era uma saia prateada cafona que eu nem sabia porque tinha comprado -já que nunca tinha tido coragem de usar- jogada no fundo do armário. Sabia então que teria que ser rápida, pois teria menos de um dia para transformar em um lar quase digno de uma visita do Papai Noel. E talvez, se eu fosse bem boazinha pelo menos naquela noite, ele me daria de presente minha dignidade de volta.

Eu não conhecia praticamente nada em Nova Orleans, tinha me mudado há pouco tempo, mas sabia que naquela época não era preciso procurar muito para encontrar enfeites de natal. O meu desafio seria encontrar uma árvore que não estivesse definhando àquela altura do campeonato. Depois de muito procurar, achei a árvore perfeita, e quando digo perfeita, quero dizer uma arvore bem ok. Mas, eu não podia reclamar. Estava tudo certo, eu já estava começando a comemorar, até perceber que outra pessoa, tão atrasada quanto eu, também tinha escolhido aquela. Merda.

-Me desculpe, mas acho que preciso mais desta árvore do que você. –Ele disse tão educadamente que me fez realmente acreditar, quase me fazendo desistir. Quase.

-Eu duvido muito. -respondi me fazendo de durona, cruzando os braços e chegando mais perto da árvore.

-Primeiro natal longe dos filhos, divórcio recente, novo bairro. -explicou com a maior tranquilidade que alguém poderia dizer aquelas palavras. Era quase sereno.

-Noivo há oito anos na cama com sua melhor amiga e a dona do apartamento eu dividia o aluguel. -tentei imitar sua serenidade, mas era óbvio que eu não era boa naquilo. Mas acho que deu para passar. Ele me encarou por alguns segundos, pressionando levemente os lábios, mas mantendo o mesmo olhar.

-Ela vai levar o pinheiro. –ele disse para o vendedor que acompanhava nossa disputa de qual vida era mais triste.

Sem dizer mais nada, o divorciado alto e muito bem vestido ajudou o vendedor a colocar a árvore na minha caminhonete, além de abrir a porta do carro. Decidi que ele era esquisito. Liguei o motor, e ele com as mãos nos bolsos afastou-se um pouco mais continuou ali.

-Você sabe fazer sobremesa? - abaixando o vidro. Ele me encarou por alguns segundos, ergueu uma sobrancelha e afirmou que sim. Abri o porta-luvas, peguei papel e caneta e escrevi meu endereço. –Apareça por volta das 21h. – E o entreguei.

-Por quê?-perguntou depois de olhar o papel e depois voltar os olhos para mim. Ele tinha um pequeno sorriso, e eu não pude deixar de reparar o quanto ele havia ficado bonito de uma hora para outra.

-Você usou o seu divórcio para tentar levar uma árvore de natal. -ele mordeu o lábio inferior tentando esconder um sorriso maior, o que me fez sorrir também, mesmo sem esperar. –Natal é época de compartilhar. Vamos compartilhar nossas misérias. –dei uma última olhada para ele sem conseguir decifrar o que lhe passava pela cabeça, e antes que pudesse responder, parti com a caminhonete.

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⏰ Última atualização: Dec 08, 2022 ⏰

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