2. Uma Desventura na Estação

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A monumental Estação Interdimensional Com Esquina Ao Polo Norte erguia-se acima da cabeça de uma Sebastiana Noelo pouco entusiasmada

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A monumental Estação Interdimensional Com Esquina Ao Polo Norte erguia-se acima da cabeça de uma Sebastiana Noelo pouco entusiasmada. Os arcos envernizados da construção, por outro lado, se entusiasmavam em manter o teto vítreo do quase palacete em pé, flocos de neve translúcidos se amontoando contra o vidro e escorrendo feito chuva de cristais pelas laterais do prédio.

Desesperados num compasso lá-e-cá efervescente, duendes de todas as sortes reverberavam por todo o antro, fazendo-o de mundo, como se toda a população da dimensão estivesse, de alguma forma, habitando ali. A verdade, é claro, meio que era quase essa. Era naquele lugar onde ficavam as passagens mágicas, chamadas de Portais Precisos, por onde qualquer um poderia viajar para qualquer dimensão do multiverso que conviesse.

― Aonde estamos indo? ― quis saber, impaciente, a garotinha de sete anos que Sebastiana arrastava com uma das mãos pela imensidão do lugar. Diferente da moçoila, que era duende da cabeça aos pés, a menininha já tinha corpo e tamanho de pessoa, o que a deixava quase que da mesma altura onde os cabelos azulados de Noelo, que a marcavam na multidão como uma das poucas duendes sulistas na cidade, chegavam.

Não era raríssimo encontrar pessoas em Polo Norte, a moçoila havia notado; muitas delas trabalhavam na cidade ou, através de circunstâncias sempre misteriosas, lá apareciam de quando em vez, no que oficiais da Intrépida Guarda como Noelo eram designados à tarefa de levar essas pessoas de volta às suas dimensões.

Sebastiana olhou a pequena ruiva de relance, séria.

― Vou mandar vocês de volta para de onde vieram, Clara ― explicou, tentando ao máximo não soar cansada, para a dupla de crianças que a seguia passo a passo pela estação.

― Mas nós... Nós não queremos ir pra casa ― respondeu, infeliz, o garoto de cabeça morena que acompanhava as outras duas entre os vários duendes de orelhas pontudas. Já com seus treze anos, o menino era bem mais alto que a maioria dos transeuntes que passavam por ali, incluindo Sebastiana, que precisava olhar para cima se quisesse olhar o rapaz nos olhos.

― E eu não queria ter de levar vocês pra casa, Rafael. Mas é a vida ― Noelo falou, também descontente, no que o menino e a garotinha se puseram ante a moçoila, ambos de olhos brilhantes e expressões pedintes. Assemelhavam-se a dois filhotinhos de rena implorando permissão para voar antes do tempo, as duas pessoas.

― Ótimo, então! ― comemorou Rafael, forçando na cara um sorriso. ― Desse jeito, cada um pode conseguir o que quer: você deixa a gente ficar aqui e não vai mais ter que se preocupar em levar a gente pra casa. Tudo perfeito!

― É! ― concordou Clara, entusiasmando-se.

Recebendo uma leve cotovelada de um duende mal-educado que cortava caminho por entre os demais (― Sai da frente, sulista idiota!), Sebastiana encarou as duas crianças com um meio riso interessado.

― Olha, eu sei que Polo Norte parece um lugar incrível e tudo mais... Só que vocês têm que entender que nem tudo aqui é perfeito. Não é só por que aqui é Natal o ano todo que as coisas vão ser sempre natalinas, felizes e cantantes. Os duendes podem ser bastante rudes e preconceituosos, às vezes... Como esse mal-educado que vocês viram passar agora.

Sem parecer se abalar com as palavras de Noelo, Clara mantinha no rosto o sorriso travesso de quem já tinha na cabeça as próprias convicções e não faria muito para mudá-las.

― Mas você é legal. Não é? ― disse, inocente, no que Sebastiana não conseguiu reprimir um sorriso deleitado à sinceridade da menina.

― Exatamente. Você não é como eles ― Rafael concordou, olhando para a moçoila com esperança. ― Não iria nos expulsar daqui como se fôssemos bichos. Você não é preconceituosa!

― E nós não somos bichos! ― exclamou a garotinha, revoltada. Vendo-se com um dilema repentino nas mãos, Noelo engoliu em seco. Não acreditava no papo que estava tendo, ora bolas. Aquelas crianças tinham uma lábia incrível. Devia ser coisa de pessoas, pensou Sebastiana, imaginativa. Carvões! Ela precisava pensar em algo que convencesse aqueles dois que melhor mesmo era dar o fora dali.

― Mas esse lugar é perigoso, também ― argumentou, fazendo o máximo que podia para fazer a cabeça daquelas crianças. ― Existem duendes malvados por aí, malvados de verdade... E há também um mistério.

As duas crianças se entreolharam, espantadas.

― Um mistério? ― indagaram, em uníssono.

Sebastiana fez que sim.

― Sim. Um mistério, dos mais perigosos e inquietantes. Alguém ou alguma coisa, muito do mal com certeza, invadiu os terrenos da Floresta Áurea noite passada e agora... hã, e agora coisas terríveis vão acontecer por causa disso. Coisas muito, muito terríveis!

Clara e Rafael se entreolharam novamente, cruzando os braços.

― Que coisas terríveis? ― quis saber o mais velho, desconfiado.

A cabeça de Sebastiana se esvaziou. Parecia um balão furado, coitada, vazando ar pra todo lado, mas pensamento que era bom, nenhum.

― Coisas... Que... Vocês nem imaginam... ― elaborou, vendo as duas crianças rirem à toa. E a moçoila sentiu vontade de se estapear na cara, de repente.

― Você não mente muito bem ― declarou o moleque, exibindo no rosto um olhar travesso. Clara, do seu lado, tinha na cara uma expressão parecida.

― Espero que ela corra melhor do que mente ― disse a pequena, casual. Rafael fez que sim.

― Pois é. Ela vai precisar.

E, antes mesmo que Sebastiana pudesse entender do que os dois pestinhas falavam, ambos debandaram-se multidão adentro, sumindo por entre aquela exorbitante quantidade de duendes e fazendo a oficial querer arrancar os cabelos azuis da cabeça, tamanha frustração. Jamais havia trabalhado com pessoas e agora via por que o alvoroço em fazê-lo: gentes eram complicadas, apenas. Principalmente crianças. 

 

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