Dom Eduardo
Dom Eduardo não conhece todos os detalhes do acordo entre o Imperador Jonas e seu irmão mais novo, Lorde Lucas. No entanto, ele sabe que a separação da Família Scliros foi uma das condições negociadas. A partir de agora, Lorde Lucas será o chefe da linhagem não Imperial da Família Scliros, cujo brasão será verde, simbolizando a aliança com a Família Petros.
- Falando no diabo... – diz Rosso, acenando com a cabeça.
Acompanhado de dois cavaleiros, Lorde Lucas Scliros atravessa o portão do Ninho. Já faz dezesseis anos desde que Dom Eduardo o viu pela última vez. Naquela época, ele ainda era praticamente um garoto. Lorde Lucas era venerado pelos camponeses e respeitado pelo Conselho dos Barões. No entanto, como irmão mais novo, ele não sucedeu ao trono. Na última vez que Dom Eduardo o viu, ele estava deixando a cidade em direção à Terra do Amanhã para se casar com a filha de Lorde Emílio Petros.
Assim como naquele dia, Lorde Lucas está impecável. Sua armadura prateada, com a serpente da Família Scliros esculpida no peitoral, brilha sob a luz do sol da tarde. O seu manto, que usualmente seria roxo, é verde esmeralda, com bordados em dourado. Os seus olhos são dourados, como é comum na Família. Ao contrário do seu irmão mais velho, Lorde Lucas ainda tem cabelos negros, que ele deixou crescer até a altura dos ombros. Embora a armadura cubra grande parte do seu corpo, é possível notar que ele é mais magro e mais alto que o Imperador, que possui baixa estatura e corpo volumoso na cintura.
O Imperador deixa sua carruagem e monta em seu cavalo. Acompanhado de uma dúzia de cavaleiros, ele vai ao encontro de seu irmão. O Imperador é o primeiro a desmontar de seu cavalo. Seus cavaleiros permanecem montados. Lorde Lucas responde ao gesto, desmontando de seu cavalo também.
Dom Eduardo sente um frio na barriga. Este é o momento mais importante dos últimos dezesseis anos. Em razão do fracasso de sua reivindicação ao trono, Lorde Lucas deve se ajoelhar diante de seu legítimo Imperador. Caso ele não se ajoelhe... Dom Eduardo prefere não pensar nessa hipótese.
Após alguns segundos de hesitação, que parecem horas, Lorde Lucas ajoelha-se diante de seu irmão mais velho. Todos os demais Cavaleiros do Amanhã, ainda montados em seus cavalos, curvam-se em sinal de subserviência.
O Imperador observa o irmão que lhe tentou usurpar o trono e agora se ajoelha em sua frente. Após um longo momento, ele ordena que seu irmão se levante. Os dois trocam palavras que Dom Eduardo não consegue ouvir.
- Ver esses dois conversando dessa forma tão casual me faz pensar se valeu a pena perder tantos soldados nessa guerra – diz Rosso.
- Rosso! – Dom Eduardo diz, acenando com a cabeça em direção ao Príncipe. – Quieto!
- Perdão, meu Príncipe.
- Não há o que perdoar, Dom Rosso – diz o Príncipe, que faz questão de chamar todos por seus respectivos títulos. – Eu concordo com o senhor. – Ele olha para Rosso fixamente com seus olhos dourados. – Se eu for Imperador um dia, tudo será diferente.
- Cuidado com o que diz, jovem Príncipe – diz Rosso. – Você sabe que o trono só será seu se o seu pai e seu irmão morrerem antes de você. Acredite em mim, você não quer que isto aconteça.
O jovem Príncipe responde com um resmungo, que Dom Eduardo não consegue decidir se expressa concordância ou descontentamento.
O comboio é finalmente convidado a ingressar no castelo. As centenas de cavaleiros, soldados, serviçais e nobres atravessam vagarosamente o portão principal do Ninho.
- Você vai entrar conosco? – Dom Eduardo pergunta a Rosso.
- Está brincando? É óbvio que sim – diz Rosso. – Durante anos eu sonhei com o dia que atravessaria esse portão. Nunca pensei que aconteceria desta forma.
- Eu pensei que jamais fosse acontecer – diz Dom Eduardo. – Quero dizer, talvez pudéssemos ter conseguido atravessar este portão, e quem sabe o próximo. Mas até chegar ao castelo, ainda há uma dezena de outros portões.
- Sim, você tem razão. – Rosso olha em volta e examina o comboio Imperial. – Eu só gostaria que estivéssemos entrando com mais soldados.
- Soldados do Punho entrando aos milhares no Ninho? Você sabe que Lorde Baliol nunca aceitaria isso.
- É, eu sei. Mas você tem que certeza que nós...? – diz Rosso, que parece ter receio de terminar a frase.
- Que escolha nós temos? O Imperador já tomou a sua decisão.
Os soldados do Ninho observam Príncipe João com curiosidade. Apesar de estar longe da carruagem Imperial, no meio do comboio, é impossível deixar de nota-lo em suas vestimentas finas, com a serpente da Família Scliros bordada em seu manto e estampada com traçados em ouro em sua armadura roxa escura. Além disso, a cor dos seus olhos não deixa dúvidas sobre quem ele é.
Diversos portões sucedem o portão principal. Embora menos suntuosos, eles são igualmente fortes e bem protegidos. A sucessão de muros e defesas que se colocam entre o castelo e o exterior faz com que seja virtualmente impossível tomar o Ninho. Dom Eduardo sempre soube disso, mas também sabia que o castelo teria que se render cedo ou tarde. O cerco imposto pelo exército Imperial impedia o fluxo de comida e suprimentos.
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Das Cinzas da Era Perdida
FantasyUma traição põe fim à Guerra dos Dois Irmãos e arrasta o Império para um novo conflito. Novas alianças se formam na luta pelo poder, enquanto outros lutam pela sobrevivência em meio ao caos.