A busca

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Quem olhasse aquela dupla andando em direção ao centro da cidade com certeza se espantaria.

Talvez até desconfiasse das intenções do homem branco de meia-idade, com uma regata branca imunda, calça, bota e cinto de Papai Noel e que era acompanhado por um garotinho tagarela, de short e camiseta igualmente imundos e um par chinelos velhos que era pelo menos quatro números maior que o seu.

Mas ainda assim a inusitada dupla seguia seu intento.

Renato havia deixado para trás a jaqueta vermelha, a barba e peruca brancas. Estavam vomitadas e, além disso, quando saíram essas peças já serviam de cama para o cachorrinho caramelo que lhe fez companhia à noite. Manteve apenas o gorro vermelho, que prendeu ao cinto com fivela enorme.

Nico, por sua vez, embrulhou seu pedaço de papelão com o lençol velho que lhe servia de coberta e escondeu todo esse kit em uma das pilastras do viaduto. Se voltassem para lá, já teria onde dormir.

- Você já comeu uma ceia, tio? É verdade que tem muita comida mesmo? - Nico perguntou enquanto esperavam um sinal fechar para atravessar uma avenida.

- Algumas, garoto...já comi algumas. Sim, tem muita comida, é até um desperdício. A gente acaba exagerando e comendo até mais do que aguentamos.

- Mas, e as comidas, são boas mesmo? O povo fala muito desse tal de peru, mas eu nunca comi.

- As comidas são maravilhosas, moleque! Você tem que ver. O peru o povo valoriza muito, é só um frango grandão. Mas não tem só isso...tem arroz, tem a farofa, tem pernil, tem rabanada, tem fruta em calda, tem panetone... É tudo uma delícia!

- Eu não entendi nada do que você falou! Quanto nome complicado...acho que tirando o arroz e a farofa nunca comi nada dessas coisas aí não.

Nico estava intrigado, mas seus olhinhos brilhavam pensando no gosto de tudo aquilo.

Renato, de tanto falar de comida, sentiu o estômago apertar. Não se lembrava da última vez que comeu. A fome aumentou ainda mais depois disso.

Parou de repente e se escondeu atrás de uma pequena árvore ao lado da calçada. Nico, assustado, ficou alguns segundos sem saber como agir, mas resolveu acompanhar o homem mesmo assim. Atrás da árvore, viu que Renato tirou uma das botas e agora tateava dentro da meia.

- É que eu escondo meu dinheiro aqui, moleque. Papai Noel não tem carteira.

Enfiando a mão fundo pela lateral, Renato conseguiu puxar algumas cédulas de dentro da meia. Setenta reais, era o que havia restado. Separou vinte e retornou o restante para a segurança da meia. Enquanto calçava as botas, Renato avisou ao menino que estava com fome e o dinheiro serviria para eles tomarem café da manhã.

No único botequim que os deixou entrar, Renato pediu duas médias e dois pães com manteiga.
Nico comia sem mastigar, ligeiro.

- Você acha que sabe onde sua mãe está? - Renato perguntou.

- Eu não sei, tio - Nico falava com a boca cheia, entre uma mastigada e outra. - Talvez ela esteja no lixão, ela ainda tem amigos lá. Ou talvez...

Nico não terminou a frase, baixou a cabeça e deu outra dentada no pão, encerrando o assunto.
Pela expressão em sua cara, Renato achou melhor não insistir. Respirou fundo, pensando no que dizer em seguida.

- Sabe, moleque, que o seu nome é o mesmo do Papai Noel? - falou, depois de uns segundos de silêncio constrangedor.

- Eu pensei que o nome do Papai Noel fosse...Noel! - Nico parecia intrigado e seu rosto demonstrava sua curiosidade e confusão. - Se tem o mesmo nome que eu, então ele existe mesmo?

NICOLAUOnde histórias criam vida. Descubra agora