Recruzei minha perna pela terceira vez desde que deixamos o solo, há quinze minutos. O céu se fazia vasto e limpo sob meus olhos, a pequena janela não podia traduzir o quão lindo estava aquela imagem. Eu tiraria uma foto se o frio de meu estômago me deixasse pensar, o copo de água que eu havia pedido estava intocado. Eu sei, já havíamos conversado, brigado, nos reconciliado, mas de longe, a insegurança ainda batia. Na última sexta feira recebemos um convite: participarmos do quadro Ding Dong, no Domingão do Faustão. Eu tentava, com uma linguagem corporal, dizer que tudo estava bem. Mas não tinha certeza disso.
- Ju, qual animal tem quatro patas e mora na Austrália? – a vozinha rouca me chamou atenção. Nath tinha sua cabeça encostada em meus ombros e seu celular em mãos, ela e Rapha embarcaram conosco para participarem do quadro. Com nossa convivência diária, não vi problema em me responsabilizar pelas meninas juntamente a Nicolas.
- Acho que tem milhões, não é? – sorri com sua carinha infantil assentindo. Uma gargalhada veio do banco de trás onde Rapha havia sentado com meu namorado, estavam vendo algum filme no iPad e eu esperava que não fosse "O Segredo de Davi".
- Você estava medonho com esse cabelo amarelo – murmurou a intérprete da Nico. Era Davi. Dei um sorriso balançando a cabeça. Rapha e Natthalia eram completamente diferentes, enquanto a primeira parecia uma adolescente, a outra ainda era uma criança.
- Agora chega – ouvi a voz de Nicolas, ela estava carregada de sono. Foi um custo levantarmos de sua cama quase na hora do almoço – Você não tem idade para isso.
- Eu já vi coisa pior – podia imaginar aquelas sobrancelhas arqueadas e o olhar desafiador.
- O que você disse? – a falsa preocupação de Nicolas me fez virar um pouco para escutar melhor – Ju, você escutou isso?
- Você lembra das músicas que dançamos na festa dela? – relembrei.
Raphaela fez uma cara de sapeca escondendo o rosto dos braços de Nicolas, desde as preparações senti uma conexão especial com aquelas meninas. Eramos nós três quase todo o dia montando a cavalo ou em aulas de etiquetas, eu aprendi entrar no mundo delas e elas, no meu. Inclusive, foi Natthalia que me alertou com um: "eu acho que ele gosta de você", apontando para Nicolas do outro lado da mesa e me matando de vergonha.
- Rapha, qual era o nome da música? – agora era a outra menina que entrava na brincadeira totalmente desperta.
- Toma, toma, toma, toma – ela dançava singelamente na poltrona, algumas pessoas passavam rapidamente o olho, outras sorriam – C.... – antes dela continuar, Nicolas tapou sua boca.
- CHEGA! – ele murmura sorrindo – Vamos ser expulsos desse voo.
Pouco tempo depois desembarcamos na capital paulista sob as lentes de alguns fotógrafos, eu segurava a mão de Rapha e tentava conte-la enquanto ela acenava e fazia poses. Nicolas, por sua vez, andava de braços dados com Nath pouco atrás, a luminosidade atrapalhava os flashes porém pequenos barulhos podiam ser escutados até nosso caminho ao carro. Não demoramos muito chegar aos estúdios, e enquanto as meninas se trocavam, fiz rapidamente meu cabelo.
Como era um estúdio majoritariamente para jornalismo, não havia muito espaço para receber convidados e da minha sala eu escutava burburinhos, risadas e conversas altas. Após vestida e penteada, peguei meu celular abrindo na conversa com minha mãe. Deveria mandar algo a ela? Minhas preocupações? Meus medos? Respirei fundo, bloqueando a tela novamente.
- Ju, fecha meu vestido por favor? – Nath pediu virando-se para mim. Passei o olho pela grande porta aberta antes de passar meus dedos pelo botão, o sinal de início foi tocado e as vozes se aproximavam.