Capítulo III: Encaixando as peças

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Acompanhadas pelo motorista da família, Violet e Emily chegaram na colossal mansão dos Thompson. O horário de almoço é considerado um horário sagrado para a família, esse é um dos poucos momentos em que toda a família se reúne em "perfeita" confraternização. Sebastian sentou-se na cadeira principal, a cadeira de seu falecido pai Mr. Dominic Owen Thompson, que por décadas permanecera vazia, todos olhavam diretamente para Sebastian, que estava com o mesmo ar rígido e sombrio desde a morte de sua mãe.
- Por favor, senhor David Harrison, sente-se em minha antiga cadeira. - sugeriu Sebastian formalmente.
- Como quiser, bom amigo. - Harrison afastou a cadeira e sentou-se.
Todos, com exceção de Agatha, cessaram os olhares curiosos em Sebastian.
- Algum problema, minha amada irmã? - perguntou Sebastian.
- Você sabe que não tem o direito de estar nessa cadeira. - Agatha encarava seu prato enquanto falava. - Não se sente envergonhado?
- Eu creio que você já tenha lido o testamento. - Sebastian sorriu. - Eu tenho todo o direito de estar aqui.
- Como conseguem brigar num momento tão catastrófico? Que se dane o testamento. - Masel fez uma pausa. - Mas, eu concordo com Agatha, ainda é muito cedo, Sebastian.
- Vamos comer, depois discutiremos isso. Onde está a minha esposa? - Sebastian procurava ela com os olhos.
- Aqui estou eu, meu amor! - disse Clara Lexi.
Ela estava radiante, com um belo vestido vermelho, que realçava a sua linda pele negra, todos a olhavam maravilhados. Clara Lexi descia os degraus com toda elegância possível, beijou Sebastian e sentou ao lado de Harrison, que estava totalmente distraído com seus pensamentos.

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Depois do almoço Harrison dirigiu-se para a biblioteca, e pediu uma xícara de café ao mordomo.
- Vamos começar os interrogatórios. Harrison verificou sua lista. - Poderia chamar para mim, ahn, a senhorita Clara Lexi? - falou Harrison com muito entusiasmo
- Claro, senhor... - Wallace verificava os seus bolsos. - Só um instante, senhor.
- Algum problema? - Harrison estava com o mesmo sorriso de sempre.
- Ah, não, senhor! Só não estou conseguindo encontrar a minha carteira. Mas enfim, irei chamar a senhorita Clara Lexi. - Enquanto Wallace saia, Emily entrou na biblioteca.
- Desculpe incomodar, senhor! Eu me chamo Emily. - ela parecia um pouco insegura. - Eu... eu preciso relatar algo importante.
David Harrison virou-se e a fitou com um olhar curioso.
- Eu nunca resisto a uma garota com relatos, vamos lá, o que seria tão importante? - disse Harrison ainda fitando Emily.
Emily começou a andar pela biblioteca, era tudo muito familiar para ela, as suas mãos escorregavam pelas prateleiras de livros, por um segundo, Emily parecia estar presa em seus próprios anseios. Harrison a observava atentamente, quando a garota começou a falar.
- O senhor gosta de mistérios? - perguntou Emily, com um livro na mão, que acabara de pegar de uma das partilheiras.
- Eu gosto ainda mais de resolvê-los. - respondeu Harrison.
- A nossa família sempre foi muito tradicional, normal, é bastante difícil acreditar que qualquer um aqui poderia ter matado a vovó. Isso é tão surreal para mim, mas contra fatos não há argumentos. - disse Emily ainda em pé, enquanto observava o livro que pegara.
- Veja só, esse é um livro da Agatha Christie, não é mesmo? - disse Harrison bastante admirado.
- Isso mesmo, "E não sobrou nenhum". - Emily sentou-se em frente a Harrison. - Como disse antes, preciso relatar algo.
- Como dizem os franceses, "mettre les points sur les i". Prossiga, senhorita. - disse Harrison.
- Na noite em que a vovó foi... - Emily hesitou um pouco. - assassinada, eu tive um terrível pesadelo, acordei muito assustada e resolvi ir ao banheiro, o meu quarto fica ao lado do quarto da vovó no corredor do primeiro andar, é preciso atravessar o corredor para chegar no banheiro, no momento em que saí do meu quarto, ainda com muito sono, ao ponto de esfregar os olhos, eu vi algo que me assustou terrivelmente. - disse Emily bastante pensativa.
- Pode me dizer o que era? - perguntou Harrison.
Emily tirou uma mecha de cabelo do rosto, respirou fundo e falou.
- Um vulto.
- Um vulto? - Harrison estava claramente curioso.
- No momento eu pensei que era só coisa da minha imaginação, pois tinha acabado de ter um pesadelo. Mas no dia seguinte pude perceber que eu estava errada. - Emily colocou a mão no queixo e continuou. - Creio que aquele vulto que vi, descendo as escadas, era o assassino.
- Por que você afirma isso com tanta convicção? - Harrison ficou um pouco mais sério.
- Não foi só o vulto. - disse Emily.
- Estou começando a gostar. - Harrison sorriu.
- A porta do quarto da vovó estava aberta, inexplicavelmente aberta, o que em hipótese alguma seria normal, já que a porta sempre é trancada por medidas de segurança, é como se alguém tivesse acabado de sair de lá as pressas. - Emily levantou novamente.
- Por mil escalpos! Poderia me dizer a hora exata em que viu o vulto? - Harrison falava com euforia.
- Perfeitamente, senhor! Eu verifiquei as horas antes de sair do quarto... Era aproximadamente 2:45 da manhã.
- Você poderia me dizer se o vulto era homem ou mulher? - perguntou Harrison.
- Claro que não, senhor. Estava muito escuro. - disse Emily com firmeza.
- Por favor, me chame de Harrison, ou David, ou David Harrison, como preferir, menos de senhor. - Emily sorriu. - Você chegou a ver sua avó quando percebeu que a porta estava aberta? - Harrison continuava a beber seu café.
- Sim, senh... David Harrison. Eu fui verificar se vovó estava bem, e quando coloquei a cabeça lentamente pela porta, lá estava a minha amada vovó, imóvel em seu leito, provavelmente já sem vida, mas como eu poderia imaginar? - o semblante de Emily ficou triste.
Harrison levantou da poltrona, e começou a escrever em seu bloco de notas. Ele permaneceu em silêncio observando a decoração da biblioteca, Emily observava o sorriso do detetive sem entender o porque, mais uma vez Harrison estava extraviado em seus pensamentos, como se estivesse sozinho, qualquer um, por mais estúpido que seja, deveria compreender que quanto mais o indivíduo pensa mais solitário ele é.
- Eu acho que é só isso, David Harrison. - disse Emily quebrando o silêncio.
Harrison ao ouvir a voz doce e suave de Emily, voltou para sua triste e insensata realidade.
- Ah, tudo bem, senhorita. As suas informações foram de suma importância, mas eu ainda vou precisar falar com você, em breve. - Harrison sorriu. - Acho bom que todos tenham um bom álibi.
Emily quando estava quase saindo da biblioteca, parou na porta e disse:
- O senhor realmente acha que alguém próximo poderia ter matado a vovó? - Emily parecia não acreditar na realidade cruel à sua frente.
- Sem dúvidas, senhorita. Algo me cheira muito mal nesse ambiente, e veja bem, as pessoas podem fazer loucuras quando realmente sabem o que é amar. - disse Harrison.
- Eu confio no senhor. - Emily saiu da biblioteca.
Harrison tirou do bolso a carteira que furtara de Wallace.
- "Wallace King Johnson", - Harrison pegou um papel com a sigla GG e uma carteira de trabalho. - veja só, o nosso mordomo é integrante de um grupo de golfe. Que estranho, ele recebe muito pouco para quem trabalha para uma família de milionários.
- Mandou me chamar, caro detetive? - perguntou Clara Lexi.
Enquanto Harrison retirava o dinheiro da carteira, que tinha conseguido usando suas habilidades furtivas, Clara Lexi entrou na biblioteca sorrateiramente assustando o detetive que derrubou a carteira no chão, ele recolheu-a rapidamente e colocou no bolso do sobretudo, em seguida recuperou a postura e sorriu desconfiado. Harrison estava na poltrona, de costas para a porta. Clara Lexi estava com um belo vestido vermelho, era uma mulher alta, bonita, com longos cabelos encaracolados, e chamava atenção por sua confiança em si mesma.
- Ah, sim, senhorita! Acomode-se aqui, irei lhe fazer algumas perguntas. - disse Harrison apontando para a cadeira em sua frente.
- Com todo o prazer! - Clara Lexi sentou-se.
- A senhora é esposa de Sebastian Thompson, certo? - perguntou Harrison.
- Sim. - respondeu Clara Lexi.
- Onde fica o quarto do casal? perguntou Harrison.
- No primeiro andar, próximo do escritório de Sebastian. - respondeu Clara Lexi com naturalidade.
- Hum, entendo. - Harrison encheu novamente a xícara de café. - A senhorita gostava de Mrs. Alice? - Harrison fazia caretas enquanto bebia o café.
- Algum problema? - perguntou Clara Lexi curiosa a respeito das caretas.
- É só o café amargo, senhorita. Responda a minha pergunta. - disse Harrison.
- Bom, eu estou casada com Sebastian há mais de 15 anos, minha sogra sempre apoiou o nosso casamento, temos muitas lembranças boas da falecida, ela sempre foi uma amante da leitura, e suas frases, meu Deus, eram marcantes. Minha mãe e ela eram grandes amigas, nós sempre nos demos muito bem, ela era gentil comigo a todo momento, e amava Dylan, meu filho único, nunca tivemos sequer uma discussão, eu a amava. - Clara Lexi se emocionou um pouco.
- Uma ótima relação entre sogra e nora... que lindo. - Harrison mal conseguia disfarçar o tédio, chacoalhava uma caneta sem parar. - Seu marido se dava bem com a mãe?
- Muito! Mais do que qualquer um... - Clara Lexi hesitou.
- Por favor, continue, senhorita. - Harrison, enfim, demonstrou interesse na conversa.
- Bom, não era segredo, Sebastian era, sem dúvidas, o filho favorito de Mrs. Alice.
Harrison anotou mais algumas coisas no bloco de notas, e serviu-se novamente com café.
- Entendo! Isso normalmente gera ciúmes, já houve alguma discussão por causa desse favoritismo? - perguntou Harrison.
- O senhor sabe... Essas coisas são comuns entre irmãos. - respondeu Clara Lexi um pouco incomodada.
- Quem discutia com mais frequência? - perguntou Harrison.
- Sebastian me contou que desde cedo sempre gostava de ficar sozinho, e que raramente brincava com os irmãos. Hugo e Masel sempre se deram muito bem, Agatha é como Sebastian, é quieta, tranquila... Sebastian discutiu algumas vezes com Hugo, e com Masel também. Mas nunca foi algo grave, apenas discutiam. - respondeu Clara Lexi.
- A senhorita poderia me dizer o que normalmente motivava as discussões? - perguntou Harrison.
- A família Thompson tem muitas empresas, Mr. Dominic era um empresário bem sucedido e deixou muitas empresas para os quatro irmãos, as discussões eram quase sempre por motivos financeiros, mas sim, acho que já houve algumas discussões por causa desse favoritismo. - Clara Lexi estava pensativa.
- Seja mais clara, senhorita... - Harrison parecia impaciente, provavelmente por causa do excesso de cafeína. - quero mais detalhes. - os olhos de Harrison flutuavam.
- Que seja, eu conheço os quatro irmãos desde criança, como disse, minha mãe e Mrs. Alice eram muito amigas, eu só me lembro de uma briga séria, entre Hugo e Sebastian, foi na adolescência, por causa de um presente que Mrs. Alice deu para Sebastian, um carro novinho. Hugo ficou com muita raiva, mas isso é normal, coisa de irmão. Fora isso não me lembro de nada. Mais alguma coisa, detetive? - Clara Lexi também parecia impaciente.
- A senhorita saiu alguma vez do seu quarto na madrugada em que Mrs. Alice morreu? - perguntou Harrison.
- Não. Também não sei onde o senhor quer chegar. - a sobrancelhas de Clara Lexi demonstravam incompreensão.
- E seu marido, Sebastian, saiu alguma vez? - continuou Harrison.
- Não, posso garantir que não.
- É o bastante, já pode se retirar, senhorita. - disse Harrison forçosamente gentil.
Clara Lexi sem falar mais nada, saiu. Harrison começou a resmungar sozinho, mas logo em seguida John Caller entrou na biblioteca.
- Olá, meu velho amigo detetive, tivemos progresso? - perguntou John Caller entusiasmado.
- Mas que diabos, espero algo mais interessante na próxima. - Harrison novamente viajou para o seu mundo de pensamentos. - Eu ouso especular que a motivação para esse assassinato vai muito além do esperado, caso contrário, vai ser muito simples.
- Quanto mais simples... melhor, ora. - comentou John Caller.
- Faça-me um favor, Caller. O desafio é o que verdadeiramente move os homens, quanto mais difícil o caminho, mais agradável é a recompensa, meu caro "Watson".
- Entendo, "Sherlock". Você já tem algo em mente? Qual o primeiro passo? - perguntou John Caller.
- Algo está prestes a acontecer. - Harrison sorriu. - Bom, vamos receber a próxima pessoa, deixe-me ver... - Harrison conferiu a lista. - Skye Willow!
- Vou chamá-la imediatamente, senhor. - disse Wallace.
Em poucos minutos Skye Willow já estava na biblioteca.
- Olá, senhorita, por favor, sente-se. - Harrison indicou a cadeira com o dedo.
- Em quê posso ajudá-lo? - perguntou Skye Willow com seriedade.
- Só quero lhe fazer algumas perguntas. - respondeu Harrison.
- Compreendo. - Skye Willow aparentava ser impaciente.
- A senhorita é a esposa de Masel Thompson, certo? - perguntou Harrison.
- Sim. - respondeu Skye Willow secamente.
- Há quanto tempo vocês estão juntos e qual é o temperamento dele?
- Pouco mais de dois anos. O temperamento dele está dentro da normalidade.
- Ele dirige alguma empresa dos Thompson?
- Sim, a Thompson Corp, junto com Tyler, seu sobrinho.
- Entendo, ele nunca demonstrou preocupação com questões financeiras? - Harrison sorriu.
- Não sei aonde o senhor quer chegar. Ele sempre foi um ótimo investidor, não posso dizer o mesmo de Tyler. - Skye Willow estava com uma expressão indecifrável em seu rosto.
- Eles tiveram algum prejuízo recentemente?
- Eu sou esposa dele, não sócia, pergunte diretamente a eles.
- En avoir le ras le bol, eu farei isso, não se preocupe, eu não confio nenhum pouco no seu marido. - Harrison penteava o seu bigode com os dedos. A expressão no rosto de Skye Willow demonstrava um pouco de raiva.
- Você está insinuando que... É como pensei, o senhor não passa de um louco, Masel amava a mãe, mais do que qualquer um. Não ouse, nem por um segundo, desconfiar de meu marido! - os olhos de Skye Willow estavam metralhando Harrison.
Caller permanecia calado, observando atentamente cada palavra. Parecia um mediador de debate.
- Acalme-se, senhorita, - Harrison deixou escapar um gargalhada, parecia ter conseguido o que queria. - Não é que eu não confie em seu marido, na verdade, eu não confio em ninguém. Essa casa me cheira muito mal.
- É um louco, não tenho a menor dúvida. - sussurrou Skye Willow para Caller.
- A senhorita se dava bem com Mrs. Alice? - perguntou Harrison.
- Sim. - respondeu Skye Willow.
- Qual a sua opinião sobre Mrs. Alice? - perguntou Harrison.
- Inteligente, gentil, uma boa mãe. - respondeu Skye Willow com pouca naturalidade na fala.
- Vocês já brigaram alguma vez?
- Não, claro que não.
- Onde a senhorita esteve na madrugada em que Mrs. Alice foi assassinada, entre às 2:30 e 3:00 da manhã?
- O que diabos uma pessoa em sã consciência faz nesse horário? Croché? Eu estava dormindo, óbvio. - respondeu Skye Willow.
- Junto de seu marido, certo? - perguntou Harrison com calma.
- Exatamente. - Skye Willow balançava o pé.
- A senhorita não ouviu nada durante aquela madrugada?
- Absolutamente nada.
- Onde fica o seu quarto?
- Logo depois do salão de visitas, ao lado do quarto de Agatha.
- Por enquanto é só isso, muito obrigado pela ajuda. - disse Harrison sem olhar para Skye Willow.
- Disponha. - respondeu Skye Willow muito mal humorada.
Quando Skye Willow virou as costas para sair da biblioteca, Harrison fez uma careta e mostrou a língua sem que ela visse.
- É uma mulher extremamente grossa, e insuportável, com toda certeza é francesa. - disse Harrison anotando algumas coisas em um pedaço de papel.
- Eu concordo, você acha que ela foi útil?
- Foi sim. Algo nela me incomoda. - disse Harrison pensativo.
Começou a chover repentinamente, Harrison foi até a janela, parecia refletir enquanto observava a chuva, o mundo ao seu redor, a realidade, a mesma que o assombrava, pouco a pouco foi se distanciando, e lá estava Harrison em seu palácio mental. Harrison tinha intimidade com seus pensamentos, o seu palácio mental se construía automaticamente, quatro paredes brancas se erguiam ao seu redor, uma belíssima decoração medieval era a temática do ambiente, e um belo trono, onde ali, David Harrison se sentia poderoso, e nada poderia contrariá-lo, estava sozinho, longe de qualquer dor. Tudo que para ele era belo surgia instantaneamente, a aurora boreal passava diante dos seus olhos, e formava o corpo de uma garota, que em um passado doloroso tanto o fez feliz.
- Você é feliz, Harrison? - perguntou a garota feita de aurora.
- Feliz? Não sei o que é a felicidade desde quando você deixou de existir. - respondeu Harrison.
- Eu existo! Lembra? Você me eternizou na sua mente. - respondeu a garota feita de aurora flutuando.
- Eu não posso tocá-la, eu não posso beijá-la... Como você existe se eu nem posso te sentir? Sabe, eu daria a minha vida para te ter de volta. - lágrimas escorreram pelo rosto de Harrison.
- Você não pode fazer isso. Os mistérios, não esqueça da sua missão. A lua ainda vai estar lá quando o sol partir, você não precisa de mim, você não precisa de ninguém. Eu te... - a garota feita de aurora foi desaparecendo lentamente.
- Por favor, só por essa vez, fique mais um pouco. - Harrison passava as mãos desesperadamente na aurora boreal que ia desaparecendo aos poucos, mas como água, ela fugia por entre os espaços dos seus dedos, era exatamente como a busca pela felicidade, inacabável. O palácio mental de Harrison começou a pegar fogo, ele estava novamente voltando a realidade, gritos horripilantes, fantasmagóricos, penetravam em seus ouvidos, imagens, as mais terríveis do seu passado se construíam em sua frente.
- Harrison, Harrison, - Caller chacoalhava o detetive. - por Deus, acorde!
Harrison rapidamente recobrou a consciência, estava pálido, suado, com os olhos arregalados, mas obviamente estava inconsciente por todo aquele momento.
- Ah, me desculpe, novamente me perdi nos meus pensamentos. - disse Harrison balançando a cabeça. - Bom, o pensamento é força criadora.
- Você está mesmo bem? - perguntou Caller preocupado.
- Eu, eu só preciso de café. - disse Harrison confuso.
Caller olhou a garrafa de café sobre a mesa, levantou-a, ela estava completamente vazia.
- Café? Você vai ter uma overdose de cafeína! - disse Caller espantando.
- Isso é cientificamente impossível, ora. - Harrison colocava a mão na cabeça, parecia estar com dor. - Vamos continuar com os interrogatórios... Quem é o próximo?
Nesse mesmo instante Clara Lexi entrou apressadamente na biblioteca, estava agitada, pasma na verdade.
- Por favor, detetive, me acompanhe até meus aposentos. - disse Clara Lexi aparentemente nervosa.
Harrison foi estranhamente compreensivo e seu estado de choque passou instantaneamente, os seus olhos e sorrisos eram como os de um lobo avistando sua presa.
- Com todo prazer, vamos lá! - disse Harrison.
Eles cruzaram a sala de visitas, subiram as escadas, e entraram no primeiro quarto do corredor no primeiro andar, onde lá já estava Sebastian, em pé, encarando um objeto.
- Podem entrar. - sugeriu Clara Lexi.
- Sim, senhorita. - disse Harrison e Caller ao mesmo tempo.
- Isso é um absurdo! Uma falta de respeito! Alguém está armando contra mim. - disse Sebastian muito nervoso.
- O que aconteceu, meu bom amigo? - perguntou Harrison curioso.
Nesse mesmo instante Harrison avistou um travesseiro dourado, personalizado com a letra "A", em cima da cama.
- Está claro como a luz do sol! Estão conspirando contra mim, esse travesseiro foi plantado aqui com a clara intenção de me incriminar! - disse Sebastian muito nervoso.
- Acalme-se, querido! - disse Clara Lexi abraçando-o.
- Olha só, finalmente ele apareceu. - Harrison sorriu. - Veja bem, Sebastian, quero deixar claro que não confio em você... - Harrison foi interrompido por um ataque histérico de Sebastian.
- COMO OUSA? POR ACASO ESTÁ INSINUANDO QUE MATEI A MINHA PRÓPRIA MÃE? RESPONDA-ME. - bradou Sebastian.
- Espere, espere, com certeza a justificativa para tal declaração, deixem o homem falar. - disse Caller tentado apaziguar a situação.
- Não se precipite, Sebastian. Na verdade, eu não confio em ninguém. - Harrison fez uma pausa e pegou o travesseiro. - Onde o travesseiro estava?
- Hoje cedo, depois da nossa conversa. Beth foi trocar os lençóis e travesseiros da nossa cama, como sempre faz periodicamente, e se deparou com o travesseiro de Mrs. Alice em nosso guarda roupa. - explicou Clara Lexi.
- Entendo. Esse travesseiro é a prova viva, Sebastian, de que você é... inocente! - disse Harrison sorrindo.
Todos ficaram com a mesma expressão facial, perplexos.
- Como... como assim? - perguntou Sebastian desnorteado. - Acabou de dizer que não confia em mim.
- Agradeça a Emily. No dia em que Mrs. Alice foi morta, ela acordou de madrugada por causa de um pesadelo, saiu de seu quarto, indo direto para o corredor, Emily viu um vulto, que com certeza era o assassino, descendo as escadas rapidamente. O que deixa claro que você é inocente. - disse Harrison.
- Ainda não compreendo. - disse Sebastian confuso, mas mais tranquilo.
- Vocês não conseguem mesmo ver um abacaxi na ponta de seus narizes? Ora, se o assassino fosse Sebastian por que diabos ele iria para o térreo se seu quarto fica no primeiro andar? O assassino estava nervoso e passou direto pelo corredor, procurando um lugar em que ele se sentisse seguro para se esconder ou melhor, para descartar qualquer suspeita, nada mais óbvio que simplesmente voltar ao quarto e fingir que nada aconteceu. O assassino provavelmente não percebeu que Emily tinha o visto, o corredor estava vazio, não tinha necessidade de descer ao térreo se o quarto do assassino não fosse no térreo. E o fato do travesseiro ter aparecido aqui, nos seus aposentos, reforça a sua teoria de que alguém está, sim, armando contra você. - disse Harrison.
- Deixe-me ver se compreendi, seguindo essa linha de raciocínio, todos que dormem aqui no primeiro andar estão automaticamente inocentados? - perguntou Caller.
- Exatamente. Como eu expliquei, o assassino estava confiante de que tinha feito o seu trabalho e de que não tinha ninguém acordado na casa, tudo que lhe restava era voltar para o seu quarto e fingir que nada aconteceu, e já que ele desceu as escadas, o quarto do miserável fica lá embaixo. Quem dorme aqui em cima?
- Deixe-me ver... - Sebastian fez um pequeno esforço para se lembrar. - Eu, minha esposa, Dylan, Eliot, Emily, Violet... e, antes do ocorrido, mamãe.
- Então já temos cinco pessoas fora da lista de suspeitos, o cerco está fechando. - disse Harrison com um sorriso intimidador.
- Espere, até mesmo as crianças para você são suspeitas? - perguntou Clara Lexi.
- O instinto assassino está em quem menos se espera. A maldade vem diretamente da semente. - respondeu Harrison friamente.
Clara Lexi resmungou algo inaudível.
- Vamos continuar com os interrogatórios. Ah, eu quero mais café. - disse Harrison lambendo os lábios.
- Beba o quanto quiser! - deu de ombros Sebastian.

O assassino da invalidezOnde histórias criam vida. Descubra agora