Que machucado?

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Acordei cedo com meu gato andando em cima de mim na cama. – Bom dia pra você também Frederico! – falei rindo e levantando-me. Caminhei até a sala e abri a porta da varanda para que ele pudesse tomar um ar na área. Sentei-me na poltrona ainda vestido a camisola e encarei a vista da imensa Avenida Paulista. Fazia um ano que eu estava morando sozinha, havia deixado minha família em Minas e me mudado para São Paulo para fazer minha faculdade de publicidade. O que de fato me abriu diversas portas e oportunidades. Fred era o único que fazia com que eu não me sentisse sozinha, assim que me mudei para cá.. fiz questão de adotá-lo de uma amiga enquanto ainda era pequeno, hoje está um siamês enorme. Talvez o que mais tivesse me impulsionado a largar tudo e vir logo para cá além da faculdade, foi a minha família. Eles eram totalmente diferentes de mim, de um modo ruim, exceto minha mãe que era professora. Ela me ensinou tudo o que sei hoje e principalmente a lutar pelo o que eu quero. Hoje era um dia especial, haviam marcado uma manifestação a favor dos professores e da educação. Não preciso nem dizer que marcaria presença lá, né?

Fui até o banheiro, tirei a camisola e a deixei no cesto. Tomei um banho morno e tentei relaxar ao máximo, não tinha uma manifestação onde eu não arrumasse uma confusão com alguém. Minha família me chamava de subversiva, radical, comunista.. mas menos de Clara. O que é estranho, já que esse é o meu nome. Dei risada sozinha de lembrar o quanto eles são cabeças pequenas e egoístas, passaram anos insinuando que eu não era da família e que talvez minha mãe tivesse mentido sobre eu ser mesmo filha do meu pai. Confesso que quando eu era criança isso me corroia, hoje eu vejo que é quase inaceitável ter o mesmo sangue podre que o desse povo preconceituoso e hipócrita. Como dizia minha mãe, eu não tenho papas na língua e falo mesmo.

Andei até o quarto, depois de encarar o meu corpo nu no espelho do corredor do apartamento. Como uma boa leonina, eu honrava bem o amor próprio destilado pelo meu signo. Achava-me demais para qualquer pessoa. Ás vezes até pra mim mesma. Talvez por isso eu tenha optado de não me apegar a ninguém até hoje, só me arriscaria se realmente valesse á pena. Coloquei uma saia branca, uma blusa do MTST e um all star vermelho de cano médio. Verifiquei se havia deixado água e comida para o Frederico, peguei minha pochete laranja e saí para tomar café em alguma padaria.

[...]

– Me vê uma xícara de café e uma coxinha, por favor. – pedi enquanto sentava-me no enorme banco de frente para o balcão.

– Por favor, um café bem forte. – uma voz conhecida pediu sentando-se do meu lado.

– Você não pode ver uma manifestação né Guilherme? – perguntei dando um sorrisinho sarcástico. Nós trocávamos algumas farpas ás vezes. Mas lá no fundo eu achava-o bacana.

– Bato ponto em todas. – ele retribuiu a risada. – Aliás, faz tempo que não nos vemos, você não apareceu mais nas ocupações.

– Não banque o cínico, você sabe muito bem o que aconteceu. – respondi revirando os olhos e pegando os meus pedidos que acabavam de ser entregues.

– Por acaso eu não te dei a devida atenção? – me provocou. – Sei que pra você isso é um erro gravíssimo.

– Nós só temos ideais diferentes. Eu vou pra ocupação pra ajudar as pessoas e não pra ficar dando em cima de apoiadores do movimento.

– Bom.. então acho melhor você fingir que não me conhece. – deu um sorriso cínico e eu engoli seco. Boulos pegou seu copinho de café e começou a tomá-lo.

– Eu não quero ficar lembrando disso, foi um erro.

– Garanto que o melhor erro que já cometera na vida. – falou virando-se para mim. – Mas lógico, você é boa demais para admitir isso.

One Shots Bar [ciro,haddad,boulos,yuri]Onde histórias criam vida. Descubra agora