II

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A chuva escorre pela janela e a cortina entreaberta revela um dia bonito que foi interrompido por uma pequena fúria da natureza. Se do lado de fora, no caos do Rio de Janeiro, pessoas com guarda-chuvas ou pastas sobre as cabeças correm pela rua, aqui dentro eu encontro uma paz intensa. Olho mais uma vez para fora antes de fechar as cortinas ao avistar de longe um grupo de homens que usa roupas pretas e mantém câmeras profissionais em mãos. Reviro os olhos, se depender de mim, nenhuma foto será comercializada, não da minha filha.

Ao me afastar, passo os olhos por todo espaço que me cerca, ursos de pelúcia, balões com dizeres em letras brilhantes de felicitação e a bandeja intocada do almoço leve que deixaram para mim, não foi por falta de vontade que não comi, mas sim porque a inquietação toma conta de meu corpo. Eu sou mãe, mãe de uma coisinha que chegou em meus braços trazendo com ela uma felicidade infinita. Chorei de emoção quando peguei minha pequena menina em meus braços, minha mãe me avisara o quão emocionante era abraçar sua criança pela primeira vez. O choro abafado, as mãozinhas sujas, o jeito que ela se aconchegou em mim e depois... no pai. Eles tem uma conexão linda, o amor entre eles será fortalecido como um laço bem amarrado, tenho certeza absoluta disso.

Sento devagar na cama quando meu celular vibra, são inúmeras as mensagens que chegaram e continuam chegando, que nem mesmo tive tempo de abri-las. Clico no nome de minha mãe, que me avisa que chegará no máximo em meia hora, assim como minha sogra; ambas competem silenciosamente quem é a avó mais babona, a que mais tira fotos ou a que mais exibia a neta à todos que passam no corredor. Meu marido foi praticamente forçado a tirar um tempo para si e ir para  casa tomar um banho ou comer algo com mais sal que a comida sem graça do hospital. Após  vários protestos, ele deixou o local prometendo voltar logo em seguida, não sem antes dar um pequeno beijo na testa "das meninas dele", como ele mesmo pontuou aquecendo uma parte do meu coração.

- Podemos entrar? – Duas batidinhas na porta e uma voz conhecida me fazem inclinar a cabeça para o lado. Minha filha havia ido tomar seu primeiro banho e pelo visto, uma pessoa bem especial a trazia de volta.

Rodrigo empurra o bercinho com extremo cuidado, é até mesmo cômica a cena. Um sorriso estampa seu rosto, aquele de extrema felicidade e emoção, como eu bem conheço. Embaixo de um braço, um mini buquê de rosas e no outro, um urso de pelúcia, mais um.

- Roubou minha filha do berçário? – Pergunto, abraçando-o.

- A enfermeira deixou que eu fizesse a entrada triunfal – Ele ri, beijando minha cabeça – Onde coloco essas flores? Espero que em um lugar especial, o padrinho tem sempre prioridade.

Dou uma pequena gargalhada ajeitando o pequeno berço ao lado da minha cama antes de fita-lo.

- Ela é linda, não é? Ainda não consigo acreditar que sou mãe! É um sentimento tão grande e tão forte, que chega a doer. E ao mesmo tempo tenho tanto medo, medo de não dar conta, dela sofrer nesse mundo tão ruim.

- Ju, essa menina vai crescer de uma maneira extraordinária. Olhe só de onde ela surgiu, tanto amor, tanta incertezas e brigas... Estavam quase desistindo quando você bateu em minha porta com aquele teste na mão, lembra? Não entendi porra nenhuma e cinco minutos depois eu já tinha bebido duas latas de cerveja de tanto nervoso. – Eu ri alto antes de lembrar que não estamos sozinhos, terei de me policiar e me acostumar.  –  Vocês se amam tanto, só poderia dar nisso ai. Um serzinho com bochechas enormes e mau humorada, olha só as caras que ela faz dormindo.

Ouço o elogio do meu amigo de longa data enquanto olho com ternura para o pequeno embrulho de cobertor rosa deitado sobre o bercinho de acrílico. Ela era tão pequena! Estendo minha mão passando o polegar em seus cabelos ralos e loiros. Para quem nascera aquele dia, ela é extremamente formosa. Sua boca forma um pequeno bico e seus olhos, fazendo uma linha fechada, se contraem em um pequeno choro.

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