Introdução

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2006
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Tudo parecia normal naquele dia, como de costume eu acordei e desci os únicos quatro degraus da escada de madeira no chalé onde passávamos as férias e fui em direção a cozinha. Lá estava minha mãe com a sua saia bege longa até o tornozelo e a blusa florida de seda até a metade do umbigo. Eu gostava de acreditar que eu tinha duas mães, a que passava o ano inteiro vestindo blaser escuro e jeans apertados, e a que morava em um chalé.

— Bom dia, meu amor. Por que está acordado tão cedo?

— Ouvi um barulho, mamãe – respondo sonolento enquanto esfrego meus olhos com as costas da mão.

— Barulho? É claro que são os seres mágicos da floresta dando as boas vindas para o pirralhinho mais precioso da minha vida.

Após isso ela agarrou meu pequeno corpo com as suas mãos e eu fiquei completamente rendido em meio a risos e tentativas falhas de fugir das cócegas.
Não demorou muito ela se agachou em minha frente, arrumou minha franja caída na testa e sussurrou:

— Está empolgado pro passeio de barco, né? Eu sei, eu arrumei tudo ontem a noite para não faltar nada, também fui dormir ansiosa. – fitou meus olhos por alguns segundos, parecia cansada e pensantiva, mas determinada como sempre a vi ser. Sua pupila contia um brilho triste, embora ela estivesse sempre sorrindo. — Coloquei alguns salgadinhos também, esse será o nosso segredinho, tá bom? – concluiu.

— E onde o papai está?

— Como sempre ele foi correr. Você sabe, o dia não começa bem se não for iniciado com um bom copo de café e uma corrida antes de começar a rotina de verdade.

Eu não mencionei, o meu pai era muito rígido com alimentação. Imagina você ter um pai nutricionista?
Apesar disso, lembro dele sendo muito incrível todas as vezes que estivemos juntos. Ainda que não tivéssemos muito tempo para interagir, sempre que ele podia, me levava para o aquário da cidade.
O único momento em que era permitido comer as pipocas amanteigados do quiosque em frente ao prédio azul espelhado. Também por essa razão, as férias de junho era sempre tão aguardadas por mim e pela mamãe.

— Ele foi pra floresta?

— Talvez. Por quê?

— Será que os seres mágicos estão correndo com o papai?

— Estão sim, meu amor.

Observei seu sorriso singelo se formarem entre os lábios. Era doce e contagiante. Lembro do coraçãozinho do pequeno eu de seis anos ficar aquecido e empolgado com a sua resposta.

O meu pai chegou logo em seguida, tomamos café da mãe e organizamos o que faltava para o passeio. Me recordo de vê-los tendo um breviloquente desentendimento por algo que nesse momento não me vem a memória, mas nada que atrapalhasse nosso dia juntos. Tivemos momentos muito divertidos, minhas melhores lembranças de 2006 foram construídas ali.

Porém, são lembranças que preciso rejeitar. Não consigo aproveitá-las. Não quero guardá-las para mim. São inúteis se já não a tenho comigo. Não posso me enganar com um breve sentimento de felicidade, se o que vem a seguir será apenas saudade e dor acompanhado da realidade que foi perder a minha mãe naquele maldito chalé.

O lugar preferido dela, virou meu maior pesadelo.

2006 Me Assombra Onde histórias criam vida. Descubra agora