Translúcida

81 0 2
                                    

Hoje eu estou completando 16 anos...

Para toda garota é uma data linda, composta por uma comemoração grandiosa, mas não para mim...

Sabe quando você sente que não pertence ao seu lugar de origem? É exatamente assim que venho me sentindo a 10 anos da minha existência, no começo acreditei que o problema fosse o grupo em que estou inserida, mas com o tempo minhas habilidades foram se mostrando totalmente controvérsias da de outros que nasceram no mesmo local em que nasci. Só tenho duas escolhas, ficar aqui e morrer como uma total desconhecida a mim mesma, ou sair daqui, enfrentar quem quer que seja e descobrir quem eu sou.

(...)

Neste momento estou sentada com meu irmão mais velho e meu pai em nossa mesa de jantar, comendo a salada, o arroz e o frango grelhado como de costume...

Nossa mãe nos abandou quando meu irmão tinha seis anos e eu era apenas uma criança de um ano, mesmo tão pequena, ainda me lembro da partida como se fosse ontem, minha mãe me deu um beijo na testa e se foi, naquela noite meu irmão me disse que chorei e não consegui ter um sono tranquilo, ele me disse também o quanto nosso pai sofreu. Desde este episódio, meu pai se fechou e nos criou ao seu modo.

Amanhã seria o dia da escolha, ou melhor, troca de grupos, e eu sei exatamente como seria. Sempre participei dos testes do meu grupo, este ano seria eu a ser iniciada, claro se não ousasse trocar de grupo. Isto só acontecera duas vezes no meu grupo, com nosso vizinho Sr. Durante e com nossa professora Sra. Maira. E foi uma humilhação total para ambos, não queria que meu pai e meu irmão sofressem, meu irmão abdicou da sua felicidade para não fazer meu pai sofrer, mas seria errado pensar em mim, ao menos uma vez na vida?

Todos esses anos, perguntei sobre tudo a cada um que estava aqui, a minha disposição, mas como meu pai era muito fechado, eu e meu irmão Luan sempre respeitávamos o seu espaço e comíamos em silêncio. Portanto, sempre que queríamos algo pedíamos benção, licença, ou até mesmo agradecíamos tudo, como bem fomos educados.

- Licença papai, irei recolher-me. Amanhã o dia será muito cansativo.

- Pode ir, boa noite.

- Boa noite aos dois.

- Boa noite Astrid.

- Boa noite, Luan.

Subi a escada em silêncio, degrau por degrau e sentei-me em frente a minha penteadeira e comecei a pentear meus longos cachos e enquanto isso comecei a pensar distraidamente em como será o teste no dia seguinte.

Após cinco minutos, escutei uma batida na porta e sibilei um entre em tom baixo. Logo, que a porta entreabriu-se eu enxerguei meu irmão, que entrou em meu quarto e sentou-se em minha cama, enquanto me observava.

- Nós precisamos conversar Astrid.

- Eu sei, pode falar.

- Olhe para mim. Pediu.

Parei com o que estava fazendo, soltei a escova de cabelo e sentei-me de frente para o meu irmão, que antes estava com a cabeça voltada para o chão e com as mãos entrelaçadas. Assim que sentiu o movimento na cama, encarou-me e tentou limpar a lágrima involuntária que descia pelo seu rosto antes que eu a visse, porém foi uma tentativa falhada, pois por pouco consegui enxergá-la. Logo veio outra e outra. Estendi minha mão para enxugá-las, contudo meu irmão parou minha mão no ar e levou-a aos seus lábios, plantando um beijo na mesma. Encarei-o e esperei que ele iniciasse o seu discurso prévio.

-Olha Astrid, eu sei que você deve estar pensando sobre o que eu fiz no passado, sobre ter colocado a nossa família acima de tudo, acima até da minha felicidade, todavia não quero que você o faça, quero apenas que seja feliz, é um ritual simples, amanhã será o teste, não tem como você pensar muito sobre isso, o resultado será independente, no entanto quando chegar o momento da iniciação poderá escolher e peço agora, que não coloque nada acima da sua felicidade, pois só eu sei o quanto sofri, então pense somente em você, por favor. Disse me dando um beijo em minha bochecha e retirando-se do meu quarto, deixando-me só e absorta em meus pensamentos.

Deitei e deixei-me levar pelo sono que já batia. Amanhã o dia seria longo...

TranslúcidaOnde histórias criam vida. Descubra agora