Tic. Tac. Tic. Tac.
Olhei mais uma vez o relógio fixado na parede.
Atrasada. Ela estava atrasada.
Levantei da mesa, disposto a ir embora. Me recuso a ficar mais um segundo esperando. Já esperei demais.
-Desculpa o atraso!
Olhei para o lado e vi a garota pela qual esperei até agora. Estava linda em seu vestido de um tom azul escuro. O cabelo arrumado em um rabo de cavalo alto deixava escapar alguns fios, um charme eu diria. Os saltos altos a deixavam levemente mais alta, mas a garota continuava baixinha ao meu lado. A boca levemente rosada estampava um sorriso para mim. O pulso direito, que pendia em frente ao corpo, continha uma pequena fitinha que era de sua cor favorita. Mas estava atrasada.
-Está atrasada.
-Eu sei, desculpa. Não consiguia achar a fitinha roxa. -Ela levantou a mão em frente ao rosto para me mostrar o pedacinho de pano que eu já tinha reparado.- Onde está sua fitinha?
Ela fez uma linda caretinha confusa em minha direção, intercalando o olhar entre meu pulso e meu rosto. Esperando uma resposta.
-Está aqui.
Levantei meu braço mostrando a óbvia fita que rodeava meu pulso.
-Mas eu disse que tinha que ser roxinha. Não seremos um par assim.
Ela fez uma carinha triste olhando meu pulso.
Era incrível o quão bela era ela, não importa a cara que estivesse fazendo. Mesmo quando a conheci, carregando vários materiais de um lado para o outro. Sua face continhas feições que indicavam que ela fazia força para que os materiais não caíssem e se espalhasse completamente pelo chão. Sempre foi a mais bela e a mais doce das garotas que conheci.
-Isso é roxo. -Afirmei certo de minhas palavras.
-Não, isso é Lilás. Você precisa de uma fita roxa, somos um par!
Ela me olhou séria. Eu conhecia aquele olhar. Era o olhar que ela dava quando dizia algo que não deveria ser discutido.
Ela costumava me lançar esse olhar quando eu não fazia algo do jeito que ela queria. Poderia dizer que sempre. Ela se importava demais com detalhes, eu preferia não gastar meu tempo com essas coisas. Eu prefiro praticidade.
Ela continuou me olhando. Cruzou seus braços para afirmar que estava séria sobre o assunto. Mas, como todas as outras vezes, eu preferi não levar a sério isso. Como sempre, farei com que ela desista da ideia estúpida de procurar um pedaço de pano irrelevante que combine com o que rodeia o delicado pulso da bela garota à minha frente.
Tic. Tac. Tic. Tac.
O tempo não iria nos esperar.
-Roxo e Lilás é a mesma coisa. -Ela tentou falar algo, mas a cortei antes de começar. -Você chegou atrasada. Pare de reclamar e vamos logo.
Ela jogou os braços ao lado do corpo, demonstrando que se dava por vencida. Como todas as outras vezes, eu venci suas vontades. Não perderia meu tempo fazendo seus caprichos tolos.
O jantar e o passeio foram diferentes. Ela falou menos que de costume. Felizmente, não me importunou durante o filme que assistíamos. Sempre que ela tentava fazer algo diferente ou descesse -como pegar bichinhos- eu conseguia tirar as ideias de sua cabeça. Ao fim do encontro, a deixei em casa.
-Obrigada. Por tudo.
Ela agradeceu no batente da porta. Levantei o olhar por seus ombros avistando uma parte do interior de sua casa.
Uma bagunça. Tudo bagunçado.
Poderia apostar que seu quarto continha o mesmo caos que a sala. Sempre que adentrava o cômodo em que dormia, podia ver roupas jogadas em uma poltrona, livros espalhados por toda a parte, a cama ainda por fazer, seus sapatos espalhados. Tudo um verdadeiro furacão. Mas, além da completa desordem, também podia ver roxo por todo o canto. Havia roxo no armário bagunçado, nos lençóis embolados, na mesa desorganizada, nas cortinas abertas e também no felpudo tapete que nunca estava no mesmo lugar.
Ela definitivamente amava a cor.
-De nada.
Beijei o topo de sua cabeça e ela balançou levemente sua cabeça antes de entrar por completo e fechar a porta.
Comecei a caminhar para ir embora, mas parei ao avistar um pequeno pedaço de fita arroxeado, no chão. Abaixei-me e juntei a fitinha que, instantes antes, rodeava os pulsos da garota que eu tanto amo.
Por um segundo, pensei em bater em sua porta para devolver a fitinha, mas poderia fazer isso na próxima vez que a encontrasse, não seria um problema devolver.
Eu achava que não seria, mas, se soubesse da mensagem que chegaria ainda aquela noite, teria voltado e pedido desculpa não só por não ter colocado a fita certa aquela noite, mas também por não ter sido o certo por todo o tempo que ficamos juntos.
[...]
-Desculpe, moça. Eu pedi uma fitinha roxa, não uma lilás.
A moça me olhou entediada enquanto eu reclamava observando a fitinha que ela trouxe para mim.
-Senhor, roxo e lilás são a mesma cor.
-Não, não são.
A discussão com a moça só findou quando ela, enfim, me trouxe uma fitinha da cor que eu havia pedido.
Tic. Tac. Tic. Tac.
Já haviam se passado 8 meses e agora roxo era a única cor que eu pensava.
Amarrei a nova fita no pulso, ao lado da fita que eu juntei na frente da casa da garota que eu mais amei e, por minha culpa, perdi.
Agora elas seriam um par.
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Contos E Cores
NouvellesPequenos contos baseados em cores diversas e assuntos aleatórios. Histórias curtas e simples que me deram muita vontade de escrever. Espero que apreciem.