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Coloco Catarina em seu cadeirão e me sento ao seu lado, recebendo um sorriso de seis dentinhos. Ela bate as mãozinhas na mesa, sabendo que chegou sua segunda hora preferida do dia.

- Você tá com fome, é pequena? - Pergunto, sorrindo de volta para ela. - Você quer papar? - Falo pausadamente, tentando com que ela repita algumas sílabas. Ela somente levanta as mãozinhas, abrindo-as a fechando-as na direção do prato. Coloco alguns legumes cozidos em sua bandeja junto com pequenos pedaços de carne, e deixo que ela se alimente como quiser. Eu a observo brincar com a comida, separando o que ela prefere comer primeiro. Amo a relação que ajudamos ela a criar com os alimentos, amo essa independência que deixe ela se alimentar como tem vontade, sem força-la ou traumatiza-la a nada. Ela faz pequenos movimentos de pinça e leva sua comida à boca, soltando pequenos "hnmm" cada vez que olha para mim, querendo minha atenção. - Tá gostoso, filha? - Sorrio para ela.

- Hnmmmm - Ela abre seu sorriso quase banguela, e um pedaço de brócolis cai de sua boca.

- Fala assim, Cat: "hnmm paaaa - pai - Ela abre ainda mais seu sorriso, apertando os olhinhos como a mãe. - Paaa - pai... Fala, filha. Aprende a chamar o papai. - Ela olha para mim com uma concentração e abre a boquinha, como se tivesse entendido o que estou pedindo. - Pa - pai! Vai Cat.

- Mã - mã - Ela solta e então gargalha enquanto faço cara de espanto.

- Filha! Cat, você falou mamãe? - Lágrimas tomam meus olhos, eu nem me importo de não ser eu o alvo de sua primeira palavra.

- Mã-mã, mã-mã, mã-mã. - Ela chacoalha uma batata na mãozinha rechonchuda e começa a repetir sem parar, como se soubesse falar há tempos.

- Você falou, meu amor? Você também está com saudades da mamãe? - Digo para ela, e tenho total consciência que pareço um tolo questionando coisas à minha neném, mas não consigo me conter. Juliana retomou a carreira recentemente. Foi uma decisão difícil para ela, apesar de amar sua profissão, de amar contracenar e de se sentir viva atuando, não queria abrir mão de Catarina e de seu desenvolvimento. Minha esposa passou os oito primeiros meses de nossa pequena em casa, se dedicou de corpo e alma à maternidade, como era sua vontade. Mas eu sabia que estar longe das câmeras doía nela, então não hesitei em apoiá-la quando me disse estar pensando em aceitar um convite recente para fazer um papel coadjuvante em uma novela, sua personagem não ficaria a história inteira, então ela teria a chance de voltar a trabalhar aos poucos, podendo fazer uma transição leve tanto para ela quanto para nossa filha. Quanto à mim, que terminei recentemente as gravações de uma minissérie, me permiti tirar um tempo para aproveitar Catarina. Eu sabia que Juliana se sentiria mais segura se soubesse que era comigo que ela ficaria. Continuo observando minha filha comer, ela agora pega seu copinho e bebe água, babando em sua blusinha, o que me lembra que terei que trocar sua roupa antes que sua mãe chegue, já que esqueci novamente de vestir o babador. Minha menina parece totalmente alheia ao fato de estar praticamente ensopada, ela continua concentrada em sugar o líquido do copo, mas de repente sua atenção se desvia com o barulho da porta de entrada se abrindo. Ela fica agitada, exatamente como o meu coração e as borboletas de meu estômago. Ambos sabemos que ela chegou.

- Cadê os amores da minha vida? - Ela pergunta ainda da sala e sua voz me acende por inteiro. Já posso sentir seu cheiro.

- Aqui na cozinha, mamãe. - Respondo, ouvindo seus passos em nossa direção. Ela para na porta e Catarina agita seus bracinhos, sorrindo para ela. Aí está, sua primeira hora preferida do dia chegou. Juliana abre seu melhor sorriso para ela e vai em sua direção, dando um beijinho em sua testa e cheirando seu cabelinho. E então ela se vira para mim, com o mesmo sorriso. Ela me puxa para que eu fique de pé em frente à ela, e envolve seus braços em meu pescoço, juntando nossos lábios. Eu envolvo sua cintura e a trago para mim.

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