Abriram o portão do inferno?

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Ao observar de perto, talvez, o mais belo cartaz de toda sua diminuta vida, o rapazola se dirige ao maior espetáculo de sua vida. Nunca tinha visto nada igual, todos os cartazes anteriores de sua vida vinham com preços e imagens de cachaça, cerveja ou de procurados. O cartaz era muito duvidoso, com homens fantasiados, uma tal dona que parecia mais um homem que o próprio garoto, e um senhor, muito mais estranho que todas as atrações anteriores, com um bigode grande e fino, magro como um palito, parecia que vinha diretamente do filme do Conde Drácula (o garoto nunca tinha visto tal filme, mas um caixeiro-viajante disse que o cabra era assustador, então presume-se).

Fascinado com tantas pessoas estranhas em um mesmo cartaz, o garotinho nunca se arrependera tanto de não ter ido aos primeiros anos da escola, o único querer do garoto no momento era saber ler, pra assim, desvendar o motivo de tanta gente bisonha reunida em um só lugar.

Enraízado em frente ao paralizador cartaz, o rapazola tenta procurar alguém que pudesse ler o texto escrito em tons florescentes de lilás, verde, rosa e laranja. Depois de olhar em todas as direções que sua bússola pessoal se lembrara, percebe que na quina de um bar bem próximo a ele, está em estado semi-morto, ou talvez vegetativo, Falange, um dos homens mais fortes e mais beberrões de toda aquela região do Ceará; ele se aproxima de seu redentor com bastante cuidado, pois todo mundo sabe que o coitado quando bêbedo se irrita a toa.

Chegando bem de fininho, o garoto cutuca com bastante destreza o gigante (o que não se faz pra pedir uma informação nao é?), Falange arregala apenas um de seus olhos, e com sua voz estrondosa, modificada pelo álcool e um bafo inigualável diz ao pequeno:

- Que foi, muleque?

O rapaz afinara a voz de um jeito que foi quase inaudível (sorte que o grandalhão tinha um ouvido bom), e pergunta de que se trata o cartaz escandoloso pendurado ao poste.

- Aquilo é um tal d'um circo, coisa de gente doida. Eles só vem uma vez a cada século pra roubar dinheiro dos "outro".

Ao ouvir o bêbedo falar tantas besteiras ao pessoal do circo em plena luz do dia surge por detrás do menino uma voz suave e meiga:

- Para de amolar, Falange. O circo é uma das poucas "diversão" que "nós temo" nessa terra de ninguém. Pena d'eles virem muito pouco por essas "banda".

"Se você diz né minha donzela, tu tás certa." Diz o garanhão em um estado lamentável.

O rapazola se deu conta da voz de dona Rosária, uma bela dona de casa casada com um moço muito mais bisonho que todos os cabras do circo misturados. De bico fechado, ele admira a beleza e a voz encantadora da linda moça.

"Tás a olhar o quê, muleque doido?" diz a tal da aberração a qual dona Rosária chama de marido, e puxa a mesma pelo braço para ir às compras.

"Se cuida, José. Vamos ao circo mais tarde? Eu pago sua entrega. Vou com Bento (nome do marido)"

Ao ouvir esta frase, o tal do José faz duas perguntas a si mesmo. Quanto tempo não ouvira ninguém o chamar pelo nome de batismo, e de onde surgira uma senhora tão linda e ao mesmo tempo tão bondosa? 

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⏰ Last updated: Jan 04, 2019 ⏰

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O Pequeno AndarilhoWhere stories live. Discover now