Um encontro inesperado

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"Droga! Vou perder o ônibus! Vou me atrasar para o trabalho! Não suporto o jeito como o chefe me olha quando chego atrasada, como se pensasse 'Mulheres... Deve ter passado horas se arrumando'"

Joana tem 24 anos, mora no alto da Santa Clara em Copacabana, um bairro chique do Rio na década de 80. Não tanto quanto Ipanema ou Leblon onde moram os mais ricos, mas certamente um bairro nobre de uma das cidades mais invejadas do mundo.

Ela está descendo a rua apressada em direção à Nossa Senhora de Copacabana onde pegará o ônibus para o centro da cidade, rua Presidente Vargas. Ela é secretária lá há quase dois anos apesar de já ter se formado em administração com uma excelente nota. São poucas as mulheres que conseguem se tornar executivas oficialmente, mas na prática muitas secretárias, com salários de secretárias, são as verdadeiras administradoras. É algo com que ela tem que conviver. O mundo é assim.

Joana nem percebe conscientemente que, ao passar diante da "Boca do Lobo" seu olhar se desvia para o túnel de uns 30 metros, escuro e ainda ameaçador, que passa sob um prédio e leva ao Bairro Peixoto, um oásis no meio de Copacabana. Um mendigo dorme lá como de costume.

Era ali no Bairro Peixoto que ela brincava há 15 anos... Ela, o Guilherme, que agora é seu namorado, e uma turminha de crianças que tiveram a sorte de viver em um mundo melhor. Menos violento, menos egoísta.

De vez em quando, quando está voltando do trabalho para o apartamento onde mora sozinha desde que os pais morreram, ela atravessa a temida boca do lobo e caminha um pouco pelo Bairro Peixoto. Sobe até o Pontinho, um boteco-restaurante quase saindo do bairro miniatura, e pede um refrigerante antes de seguir para casa.

Os pais lhe deixaram uma herança, mas não é o suficiente para ela viver de renda. O seu trabalho é importante para o seu futuro e Joana não é mulher de viver dependendo de um marido... Principalmente porque o Guilherme certamente não é o tipo de homem que vai sustentar facilmente uma família... Ele é artista. Fotógrafo. Mas não quer trabalhar para jornais ou revistas. Ele sonha em capturar a vida com tamanha emoção e realismo que possa vender suas fotos para grandes galerias.

Alguém dá um encontrão no seu ombro direito vindo correndo de trás dela.

"Merda! Minha bolsa!"

É claro que ela pensa que é um assalto e agarra com força a bolsa, mas ela vê que a pessoa é um senhor de uns 60 anos, cabelos bem brancos, que corre esbaforido, tropeça e cai no chão. Uma mancha vermelha escura começa a se formar sob ele. Joana olha para trás assustada, mas ninguém o está seguindo.

Como um velho pode ter fôlego para correr tanto? E ferido? "Meu Deus! Ele está ferido" Joana demora vários segundos para se conscientizar da situação. Corre até o homem e se abaixa ao seu lado.

— Tudo bem, senhor, o senhor não está sozinho! O socorro já vem! SOCORRO! CHAMEM UMA AMBULÂNCIA — Pessoas começam a aparecer, uma acena da janela gritando que está ligando, um homem vem correndo de um prédio com uma valise de médico em mãos.

Joana pousa a mão levemente sobre o braço do velho para ele sentir que está acompanhado. Ele está caído de bruços, o rosto transtornado, mas não parece dor, parece outra coisa... Medo? Frustração?

Com um grande esforço o desconhecido pega algo no bolso interno do casaco, olha para Joana e diz com uma voz surpreendentemente firme e grave...

— Guarde isso com você Joana. Não deixe ninguém ver!

— Como o senhor sabe meu nome? Eu o conheço? — Estupefata Joana pega o objeto que parece de couro do tamanho de uma folha de papel enrolado e amarrado com uma fita de sisal. Enfia na bolsa sem pensar enquanto olha para os lados para ver se alguém notou, mas o médico que vinha correndo acaba de chegar, atento ao homem no chão, e todas as atenções se voltaram para os dois. Aparentemente ninguém notou ou não se importou.

Na Boca do LoboWhere stories live. Discover now