02. Freight Train

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Coloque a música disponível na mídia inicial para tocar quando aparecer o sinal "▶".

Hayden Jones;

Mas que merda o Nathan têm na cabeça?! Como ele me pede pra deixá-lo lá pra morrer?! Agora ele está calado, com o rosto inchado, os olhos vermelhos, agarrado ao banco desse carro que eu não faço ideia de quem seja — e nem me importo com tal fato. Eu só sabia que o carro era da década de 90, pois este não tinha toda aquela estrutura de mecanismos para impedir que alguém mexesse nos fios. Do jeito que a tempestade estava, nem precisei de muito para quebrar a trava da ignição, enfiando uma chave de fenda que achei jogada pelo porta-luvas. Enfiei a ferramenta no buraco da chave e virei-a. Assim que retirei os painéis da coluna de direção, vi alguns cabos elétricos agrupados. Não tive medo algum. Haviam três circuitos principais: De um lado da coluna tinha o circuito das luzes e outros sinalizadores, do outro lado, o circuito dos limpadores de para-brisa, aquecedores e outros acessórios. Subindo a coluna de direção pude ver os circuitos da ignição, da bateria e da partida. Separei estes fios e notei que os cabos da ignição eram marrons e os da partida amarelos. Os vermelhos eram os da bateria. Eu não era o MacGyver, mas tinha conhecimento o suficiente sobre automóveis para poder mexer nos fios sem me eletrocutar e morrer ali ao invés de no tornado, afinal, eu quem ajudava meu pai nos reparos de sua caminhonete velha antes de ela ir completamente destruída para o ferro-velho da cidade — agora também destruído. 

A tempestade ainda corria solta, eu estava preocupado com o fato de possivelmente não conseguirmos sair dali a tempo, e parece que Nathan também, pois, apesar de toda a cara de durão, eu havia o conhecido antes de se tornar o que é hoje. Ou o que era, antes dessa situação toda.  Fôra em 2011 que o conheci. Ele tinha chego na Academia, não tinha amigos. Classificaram ele como uma pessoa introvertida e esquisita. Nathan não era apreciado na escola e era considerado por muitos como um pirralho mimado devido ao seu nome de família que já era um tanto quanto famoso por lá, porque, qual é, os Prescott's são ricos para um senhor caralho! Apesar disso, eu sempre tive o dom de enxergar o lado sensível de Nathan. Ele era vítima de bullying e era notável como ele se esforçava para se encaixar nos grupinhos da Blackwell que variavam entre os nerds, os atletas, os punks e os geeks — este último era o meu grupo. Também haviam os artistas, como os amantes do teatro, os fotógrafos e desenhistas. Então, Nate teve a ideia doida de fazer teste para os Bigfoots. Conheci ele neste momento, um tanto quanto importuno. Afastado, eu pude ver um cara de meia idade, eu diria, pressionando ele de uma forma repugnante. Nate estava encolhido contra a parede, e o cara — que mais tardar descobri ser seu pai, Sean Prescott — apontava o dedo na cara dele e só sabia dizer coisas como "Dê o seu melhor para não envergonhar sua família", ou "Não quero ver falhas, isso não é aceitável vindo de um Prescott". Ouvi até uma frase que doeu em mim: "Se for rejeitado no time, pode ter certeza que será um vexame para a sua família, um fracassado". Ele intimidava Nathan com palavras ao invés de dar-lhe forças e encorajá-lo, se importando não com a felicidade do filho ou com o orgulho que ele posteriormente sentiria, mas sim com o medo de ter um Prescott "fracassando". Eu via, em meio ao caos de Nathan, a pessoa que ele era de verdade e todas as complicações diárias que ele tinha de enfrentar. Quando eu me aproximei, ele hesitou, mas, aos poucos, fui apoiando-no e consegui conquistar sua confiança, fazendo assim uma barreira de suporte e dando origem a uma amizade concreta.

Retomando o foco ao carro e a nossa pressa de sair de lá, com muito cuidado, descasquei cerca de 1.5 cm do cabo de partida. Ele já estava ativo, portanto, manuseava-o com delicadeza, por mais que a tensão entre morrer e sobreviver se fizesse presente. Tudo bem, estava chovendo e talvez eu tivesse levado um pequeno choque, que me fez reclamar e balançar o dedo algumas vezes na tentativa de aliviar a dor. Eu não desisti. Segurei os fios, encostei a ponta do cabo de partida ao da bateria e, com duas tentativas, pude ver as faíscas ligarem aquele veículo que seria a nossa válvula de escape. Sem demora, acelerei algumas vezes para que o carro não morresse e eu tivesse que refazer todo o processo. Assim que o motor se estabilizou, tirei o cabo da partida e continuei. Num golpe de sorte, o volante não estava travado. Consegui então, simplesmente sair dali, dirigindo rumo ao norte, para o mais longe possível daquele pesadelo.

— Para onde vamos? — perguntou Nathan.

— Para a estação de trem.


(Música);  

Nathan Prescott;  

Conforme nos afastávamos da tempestade, meu cérebro dava um nó cada vez mais apertado. Eu não sabia se me sentia mal por deixar outras vidas ali, ou se me sentia neutro por saber que, infelizmente, não podíamos salvar todo mundo. Eu me preocupava mesmo era com minha mãe. O meu pai nem tanto, e isso soava um pouco egoísta, eu sei. Mas, era verdade. A minha mãe era tudo pra mim, juntamente com a minha irmã. Porra! A minha irmã! Como eu vou contar isso tudo à ela?! Bom, com certeza o ocorrido passaria em noticiários de todo o mundo, ou ao menos, num veículo de imprensa online. Eu suspirei. Encostei a cabeça ao banco do carro, fechei os olhos e fiz uma careta ao sentir a dor em meu corpo se manifestar ao passarmos por cima de um galho um tanto quanto grosso no meio da estrada. Fiquei repassando na mente, em flashbacks, tudo o que havia acontecido nos últimos anos. Estávamos em 2013 e esse ano foi o que me provou o quão rápido as coisas podiam virar de cabeça para baixo. De um garoto sensível, eu me tornei um demônio e um "perigo para as pessoas ao meu redor" em apenas dois anos. Hayden dirigia a cerca de 80km/h. Eu ainda ouvia o barulho da chuva caindo fortemente. Alguns bons minutos se passaram quando eu me ajeitei no banco e olhei pelo retrovisor. Todos os destroços da cidade eram refletidos naquele espelho rachado. Esperava sinceramente que aquele lance de 7 anos de azar não fosse real, mesmo que não tivesse sido eu quem tivesse quebrado-o.

Por fim, conseguimos nos afastar da baía. O céu estava mais aberto. Éramos dois adolescentes de 17 anos lutando pela vida, fora dos limites de Arcadia Bay. Havíamos levado uns 20 minutos na velocidade em que meu melhor amigo dirigia pela Oregon Coast Highway para chegar onde atualmente estávamos: à caminho dos trilhos do trem de carga expresso que atravessava a costa do estado de Oregon para levar mercadorias para todos os estados e cidades dos arredores. Este saía de Hobsonville e seu ponto final era Santa Barbara. Eu não questionei. Apenas segui Hayden. Não havia mais o que fazer. Pensando no lado negativo, sendo este o mais provável, eu não tinha mais casa, não tinha mais família, eu não tinha mais nada, muito menos tempo a perder. Abandonando o veículo pra trás, desfazendo a ligação direta, caminhamos por entre as pequenas colinas e arbustos até vermos o trilho do trem. Ele passava por Arcadia, e, por sorte, o trem não tinha sido destruído. Sentamo-nos ali próximo e Hayden me abraçou, passando um braço pelos meus ombros.

— Nós vamos ficar juntos. Pra sempre. Seremos eu e você, não importa o que aconteça.

Ele disse. Apenas encostei minha cabeça em seu ombro. Apertei meus olhos e fiquei ali com ele, esperando. Estava tão fora de mim que acabei adormecendo ali mesmo por alguns minutos.


Despertei quinze minutos depois com Hayden chamando meu nome, me balançando, um farol na minha cara, um barulho insuportável das buzinas, juntamente com o das rodas de ferro contra os trilhos daquele velho trem vermelho e marrom de 24 metros de comprimento passando pela nossa frente. Hayden me ajudou a ficar de pé e fixou seu olhar nas cargas. O trem não passava em uma velocidade muito alta, então, a ideia era pular dentro de uma das cargas que tinha o compartimento aberto. O transporte ferroviário que seguia aquela rota previamente planejada soltava fumaça de cor tão acinzentada quanto o céu de Arcadia quando demos o pé. Hayden foi o primeiro a se colocar dentro do veículo e estendeu a mão para que eu subisse também. Sentando ali no chão, completamente sujo de poeira, entre alguns caixotes, pudemos nos tranquilizar, afinal, ao menos nós estávamos vivos e fora de perigo.

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