Yuri,
A minha mente estava a mil. Não sei se és capaz de imaginar o tormento pelo qual estava a passar.
Na verdade, nada parecia tão grave se comparasse a outros problemas que pudesse sofrer, mas... o que sentia era tão abismal, que metia medo.
Yuri... eu não consegui aguentar o peso que o mundo colocava sobre mim. Eu não conseguia ser metade do que eles queriam, nem um terço do que eu própria queria ser. Estava preparada para flutuar.
Toda a gente pode flutuar. Sabes, é que a galáxia é gigante; talvez infinita, ninguém sabe. Mas ao flutuar, percebi ser uma galáxia também. Talvez toda a gente seja uma galáxia, Yuri.
Quando pisei na câmara de descompressão, Yuri, tive-te comigo. Foi um leve abraço apertado que senti. Um aceno de compreensão.
Certa vez, um livro antigo, trazido aqui para o espaço por algum astronauta esquecido, que não o levou de volta - ou será que não foi um esquecimento? - dizia assim: "Quem se afoga a 7 metros de profundidade está tão morto quanto quem se afoga a 20 metros."
Talvez não esteja a 7 metros de profundidade, Yuri. Talvez esteja a 12 meses de profundidade.
Quase dá para ver uma luz refletida na superfície da água, Yuri! Mas como aqueles livros de desporto que nunca praticarei na vida - no espaço não há os mesmos mares que há na Terra - às vezes, a luz é refletida e parece vir da superficie, porém, ao nadarmos até ela, só estamos a ir mais para o fundo.
Eu não quero ir para o fundo, Yuri. Não quero.
Estou presa aqui, não dá para voltar atrás agora. Mesmo que desse, eu não quero voltar atrás.
Passei oito anos, Yuri, oito anos, a tentar chegar à superfície. Mas... agora que estou quase lá, os meus pulmões já estão cheios de água.
Mas, tens de admitir: para quem nunca sequer teve o corpo submerso, estou a descrever bem as coisas, não é?
Mas, e tu, Yuri?
Como vão as coisas na Terra?
Vês? Aqui estou eu, prestes a flutuar, ainda assim preocupada com os outros.
Agora é que reparo o quão estúpida fui, e que, provavelmente, a culpa de estar assim magoada é toda minha. Afinal, pessoas boas nunca se dão bem.
Queria voltar para a Terra, Yuri. Poder ver-te mais uma vez, antes de flutuar.
Também queria poder ter tido mais um abraço teu, e algo mais do que apenas memórias tuas.
Gostaria de ter tido algo mais teu, que pudesse agarrar junto ao peito quando abrisse a câmara de descompressão e os meus pulmões congelassem por causa do frio.
Gostaria de ter, pelo menos, uma certeza de que esta carta, feita apenas pelo que restou da minha mente, pudesse chegar a ti.
Afinal, tu nunca saberás que morri.
Oh, Yuri... Talvez isto nem seja mesmo morrer.
É que, eu não sinto o meu corpo mais. Restou apenas uma mente á deriva, cheia de palavras, aqui a navegar sem direção pela galáxia. Morrer é isto?
Afinal, talvez saibas que morri. Na Terra têm uma velha lenda que diz que todos os mortos se tornam estrelas. Será que é verdade. Eu sou uma estrela, Yuri? É que não tenho olhos para me ver. Talvez seja, afinal a minha mente tem de estar em algum lugar. É um pensamento bom, que ela a minha mente esteja guardada numa estrela. Gosto disso.
Então... pronto, Yuri. Eu sou a estrela flutuante que olha por ti nesta gigantesca galáxia.
Flutuar não é assim tão mau, afinal de contas. Ainda preservo a minha mente para poder dizer o quanto te amo, Yuri.

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Palavras soltas pela galáxia
KurzgeschichtenYuri? Agora sou a estrela que olha por ti na galáxia. Conto drama/romance, sobre um ser que, agora, flutua.