Capítulo 1

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Mesmo que não quisesse, aquela sala já era comum para Gabriela. Não porque ela já estivera ali muitas vezes, mas porque nas poucas vezes em que estava, observava cada detalhe. Era mais fácil encarar as paredes claras com vários quadros abstratos do que ficar olhando para a mulher a sua frente. Assim ela conseguia evitar de falar muito e as horas passavam rapidamente.

— Nestas nossas três primeiras sessões falamos sobre coisas muito aleatórias. Que tal focarmos em algo?

Mesmo com uma voz rouca e grossa, a terapeuta falava com uma calma que Gabriela não conseguia explicar. Era bom ouvi-la falar, mas na maior parte das vezes, ela só queria escutar e Gabriela não parecia querer falar.

- Em quê?

Gabriela ainda não olhava para ela e sim para o relógio que tinha na parede atrás da terapeuta, em meio aos quadros. Ela observava os ponteiros, desejando que eles pudessem passar mais rápido.

— Seria bom focarmos em você, não é para isso que você veio aqui?

Talvez. Na verdade, não. Gabriela não queria estar ali porque falar significava relembrar cada coisa que tinha acontecido na sua vida nos últimos dois meses.

— Como está indo o colégio? É normal estar lá novamente?

Não era, mas Gabriela não queria falar sobre isso. Não queria fazer drama só por ter que frequentar o colégio onde tudo começou a desabar na sua vida.

— Bem. Sim.

Duas palavras e três letras cada. Cada uma delas representava uma mentira que Gabriela vinha contando a todos que lhe fizessem estas mesmas perguntas.

No início, essas perguntas não eram tão frequentes porque logo depois que Nathan tentou estuprá-la, eles entraram de férias e como foi para a casa da sua avó em São Paulo, era mais fácil fingir que nada daquilo tinha acontecido. Porém, no último mês, quando as aulas do último semestre começaram, as pessoas pareciam estar pisando em cacos de vidro perto dela. Sempre perguntando como tudo estava indo no colégio e se estava tudo bem voltar pra lá. Ela sempre respondia da mesma forma. Bem. Sim. Depois de um tempo, as pessoas passaram a acreditar ou fingiam acreditar porque era mais fácil do que lidar com a realidade do que tinha acontecido.

— O que teve de novidade para você nestes últimos dias?

Gabriela tinha que admitir, sua terapeuta era esforçada. Mesmo que Gabriela na maior parte das vezes não respondessem mais do que duas palavras para as suas perguntas, ela continuava tentando.

— Nada de interessante.

Mais uma mentira. Talvez não fosse algo realmente interessante no bom sentido, mas era uma novidade. Uma que Gabriela queria esquecer.

Elena não falou nada e olhando para ela agora, Gabriela viu a mulher apenas a observar. Não iria dizer mais nada e Gabi sabia o que isso significava. Sua terapeuta estava esperando mais dela. Não iria cobrar, mas ia esperar e sabendo que teria que dizer algo, Gabriela pela primeira vez falou em voz alta o que estava ecoando em sua cabeça.

— Descobri que meu pai na verdade não é meu pai.

As palavras pareciam se reverberar pela sala amistosa e intimista da terapeuta. Parecia que aquelas paredes estavam ecoando uma verdade que Gabriela tentava esconder, no entanto, agora dito em voz alta, tudo parecia ainda mais real e com certeza ainda mais assustador.

— E como você se sente sobre isso?

Gabriela odiava esta pergunta. Não importa de que forma ela fosse feita, odiava ela em todas as suas versões.

NÃO SOMOS QUEM MOSTRAMOS SER - Livro IIOnde histórias criam vida. Descubra agora