De volta à rotina

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Três dias após o fim da Festa de aniversário do município, Henrick não muita expectativa sobre sua próxima noite de diversão. A vida voltaria ao normal, e nada de interessante poderia acontecer. Nada além das suas aulas durante a tarde, suas manhãs preguiçosas e as frequentes visitas à Dona Carmen, sua avó, aos domingos.

Na verdade, nem mesmo a festividade que supostamente agitaria a cidade foi significativa para Henrick. Sua noite se resumiu em bebida, seu primeiro cigarro e algumas garotas. Fora isso, tudo era deprimente e mal organizado. A pequena praça da cidade, centro de todos os eventos, além de ter uma péssima iluminação, estava com uma infestação grave de formigas, as quais mordem e atacam e que causavam dor em qualquer um que chegasse perto das árvores. E, essas eram o único abrigo durante a chuva que caiu enquanto a banda Selo arretado produzia sua música quase sem letra no palco improvisado, de frente a loja de utensílios para pesca.

Mas, apesar de tudo, as pessoas não se importavam com tal simplicidade e se divertiam. Suas mentes não se importavam com as letras das músicas, desde que houvesse alguma melodia adequada para se balançar com o mínimo de sensualidade. Seus corpos não sentiam a dor das picadas das formigas enquanto dançavam, já fora de si por causa das bebidas e da própria adrenalina.

No final, não faria diferença se o chão fosse de ouro ou de lama, as pessoas estavam tão acostumadas com a miserável vida que levavam que nada mais era digno delas se importarem. Tudo era acostumável.

Entretanto, Henrick era diferente. Ele se importava com as aparências e com os conteúdos, pois reparava nas coisas. Percebia cada detalhe medíocre que pudesse estar escondido para os outros. E, mesmo assim não se destacava entre as multidões. Ele era apenas diferente, e ser assim estava na moda. Mas, ninguém queria ser esquisito, porquê, de alguma forma, existia uma linha tênue entre essas duas palavras, entre seus significados ou suas conotações para a sociedade que fazia com que as pessoas diferirem a forma de pronunciar os dois termos. Por algum motivo, a palavra esquisito era dita com nojo, enquanto a palavra diferente era quase um mérito.

Embora, para alguém ser esquisito, precisa ser diferente antes. Precisa se destacar e não se encaixar na massificação ou na generalização. Ser esquisito não era um mérito, mas era uma medalha de lama que estava sempre exposta no seu pescoço, você querendo ou não. E, esse tipo de medalha era indesejado por todos, inclusive pelo pobre Henrick, que mal identificara a diferença entre o anormal e o esquisito.

A noite era uma criança, e ele sabia disso. Então, antes das sete da noite, ele já estava terminando de abotoar a calça jeans escura, na frente do espelho. Ajeitando o seu topete, meio rebelde, que insistia em cair sobre sua testa e parecer uma franja mal cortada e desleixada. Seu quarto se resumia em uma cama de solteiro, um tapete, uma cômoda e uma escrivaninha que mal cabia seus livros. Tudo organizado da forma mais bagunçada possível. Havia livros, camisas e folhas de papel jogadas na escrivaninha e no chão. A mochila da escola estava, em algum lugar, de baixo das três cobertas que cobriam o chão entre a cama e a cômoda. De alguma forma, enquanto ele procurava a camisa gola pólo preta, dentro da terceira gaveta da cômoda, seu olhar vasculhou o quarto e ele acabou percebendo que se identificava com toda aquela bagunça.

Cara, não adianta negar, sou um artista. Consegui fazer o mais perfeito autoretrato que um poeta pode querer. Meu quarto, do jeito que está, retrata minha personalidade com mais simetria do que qualquer um dos meus poemas-sem-rima ou dos textos atitulados. Sou uma bagunça. Sou sem jeito e com um charme próprio na minha maneira de ser desleixado, espalhado por todos os cantos e um ao mesmo tempo. Sou o tipo de bagunça que ninguém vai arrumar, porquê tenho tendência a buscar a confusão em qualquer quesito da minha vida. Seja no meu quarto ou nos meus sentimentos, tudo se resume num emaranhado de coisas espalhadas e minhas. Tudo se resume na dinâmica de não ser facilmente adaptável as coisas normais ou as regras. Sou resumido na diferença que faço ao não tentar me encaixar, mas viver quieto e confortável.

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⏰ Última atualização: Sep 16, 2014 ⏰

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O assassino de borboletasOnde histórias criam vida. Descubra agora