Certa noite, andando pelas ruas do centro de Contagem, eu me apressava para chegar a meu apartamento antes da meia-noite. Passando por um beco especialmente escuro, escutei uma risada. Não era o riso medonho de um predador quando encurrala sua presa, ou o riso eufórico de um beberrão perdido em seus próprios pensamentos. Era o riso de uma criança.
O tipo de riso que mora nos sonhos de qualquer pai, um riso de alegria, pura e simplesmente. Segui aquele doce som até atrás de uma caçamba de lixo para me deparar com uma cena um tanto quanto curiosa, uma garotinha, bem sujinha e trajando farrapos balançava alegremente uma coisa que poderia ser, muito gentilmente, chamada de boneca de pano.
Aproximei-me devagar, não querendo assustá-la. Ela levantou a cabecinha e passei a encarar duas enormes órbitas, tão claras quanto água, podendo vê-las mesmo com a escuridão do beco.
- Oi pequenina. Por que você está aqui sozinha? – Ela sorriu para mim e abraçou mais forte sua boneca. – Desculpe, por que vocês estão aqui sozinhas? Onde está o papai? – a pequena fez que não com a cabeça. – E a mamãe? Sabe onde está a mamãe?
- Tá com o papai do céu. – Respondeu com sua vozinha doce. Encarei-a, ideias loucas giravam em minha cabeça e, no momento seguinte, me vi segurando suas mãos pequenas e guiando-a pelo caminho para minha casa. Ela saltitava alegremente e eu me perguntava o que uma garotinha que não podia ter mais de três anos fazia num beco deserto no meio da noite.
Andávamos de mãos dadas quando ela avistou uma loja de doces. Ela se debatia e tentava correr pela avenida até as montanhas de açúcar, depois que o sinal verde apareceu, tive que carregá-la para garantir que não morresse atropelada em sua busca por altas dosagens de glicose.
Entramos na loja e ela correu pelo local como se estivesse no paraíso. A dona do lugar se acabava de rir enquanto a pequena explorava a loja com os bracinhos já cheios de tipos diferentes de doces.
Depois de cerca de meia hora rondando pelo lugar, a garotinha veio até mim com os olhinhos brilhando e com tantos doces empilhados que mal conseguia segurar todos. Ri daquela cena, com um pouco de dificuldade, colocamos tudo no balcão e a dona da loja pesou.
- Ei, pequena, quer me falar o seu nome agora? – Perguntei baixinho. Durante todo o caminho até a loja, ela se recusou a falar qualquer coisa que revelasse sua identidade; com custo e muitas brincadeiras ao longo do trajeto, o máximo que consegui foi o nome da tal boneca de pano, que ela caridosamente batizou de Fada. – Assim, aquela moça ali pode por o seu nome no saquinho dos doces. Desse jeito, ninguém vai pegar seus doces.
- Quer não. – Respondeu. Suspirei, de nada adiantaria força-la, se continuasse insistindo ela poderia se zangar e ir embora. Definitivamente, ter uma garotinha de três anos sozinha nas ruas movimentadas de Contagem no meio da noite não era uma ideia nem ligeiramente inteligente.
Paguei a tonelada de doces sem me importar se uma garotinha daquela idade deveria ou não ingerir tanto açúcar de uma vez. Percorremos o resto do caminho rapidamente, ela com as mãos nas minhas e dançava alegremente pela calçada.
Chegando em casa, resolvi dar-lhe um banho. Separei uma toalha e cortei uma das pernas de uma bermuda antiga, em seguida fiz dois cortes menores de cada lado do pano, não era a camisola mais linda do mundo, mas, pelo menos, vai deixa-la vestida durante a noite. O único erro no meu cálculo foi pensar que ela queria tomar banho; levei cerca de meia hora para conseguir encurralar a pequena em uma parede e carrega-la para dentro do banheiro enquanto ela se debatia e gargalhava tentando fugir.
Quando consegui convencê-la a entrar na banheira – que, na verdade era uma bacia bem grande que enchi com a água morna do chuveiro – as coisas se acalmaram, lavei seu cabelo castanho da melhor forma que pude dispondo apenas de um sabonete líquido. Enquanto a banhava a pequena se maravilhava com as bolhas de sabão que se formavam na água, suas gargalhadas preenchiam o cômodo e senti uma pressão estranha no peito, um calor diferente que se intensificava cada vez que ela batia as mãozinhas tentando estourar as bolhas.
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Pedacinho do Céu
Short StoryEssa é uma oneshot sobre amor e inocência PLÁGIO É CRIME! SUJEITO A DENÚNCIA!