Naquela Mesa

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Me lembro de quando era pequenina, na mesa da cozinha,

Minha mãe e minhas tias sempre "danavam",

"Isso não é papo de criança, vai viver, vá se misturar."

E eu vivi, naquelas mesas regadas a cafés e fins de domingo,

Na elegância de todas aquelas lágrimas contidas, e na beleza da vulnerabilidade de suas lágrimas

Que vazavam pelas beiradas, a descoberta de suas bocas mágicas,

O que havia naquelas palavras, as dali proferidas eram recheadas, encorpadas com um quê de etc, e etc...

Eu não sabia, mas entendia, e pensava naquelas heroínas,

E pensava em como suas dores eram belas e as invejava,

Todas aquelas constelações de Marias, seus gestos e suas magias.

Lembro nitidamente da minha primeira dor infantil,

Questionava-me sobre a cegueira,

Da vista da superfície, quando eles veriam

A profundidade da dor do meu dodói,

E sentia, tanto para que vissem na minha voz,

E cortejei, todas aquelas sensações,

E cortejei os sentimentos,

E cortejei os ouvidos nos olhos e os olhos no coração.

Deixei de ser a criança bisbilhotando a conversa à mesa,

Mas ainda quero que levem a sério a dor do meu dodói,

Hoje não tão superficial.

Eu quis tanto sentir, quis tanto viver, aquelas tardes contadas,

Que de minhas tardes, só me restaram as lembranças, agora contadas,

Se lembra?

Lembra das canecas com vodca,

Dos jogos, da música e das conversas, sorrisos puros e cheios de esperança e medo,

Das promessas carregadas de desejos,

Eu perdi minhas tardes, que, hoje sinto com todo

O sentir a dor do vazio dessas companhias.

A vida me apresentou, as minhas Marias,

As pintei em quadros mentais como em um último final de semana no verão,

Das chuvas que aqueciam as memórias, risos soltos de genuína alegria,

com uma pontada de medo, do desconhecido e o pressentimento que algo deixaria de ser vivido.

Suas dores eram mais sutis, e eu senti,

Suas alegrias, e seus sonhos, esperanças, e aquela mesa,

Minha primeira mesa,

Aquela que vi ontem, quando entrei na sua porta de novo,

Depois de quantos anos? 3,4...

E instintivamente eu fechei os olhos, sentindo o cheiro,

Busquei as memórias nas paredes, e a segurança nos antigos móveis,

E o sorriso da Maria que faltava, estava a milhas daqui,

Em meu peito um coração atormentado, por todas as visitas não feitas,

Por todas os fins de tardes perdidos em desculpas,

E falsas promessas de um amanha que deixou de vir,

E meus olhos tentam registrar tudo dentro daquelas portas, pois em meu peito,

A certeza de que essa fotografia estaria a incontáveis dias de ser revivida.

Nos trilhamos por nossos sonhos, trilhas que nos colocaram,

A muitos fusos de nossas mesas.

Hoje eu compreendo, vejo com outros olhos, as conversas naquela mesa de minha infância.

Guardada dão vividamente em minha memória.

Respiro a cada dia aqueles sentimentos que tanto estive enamorada no passado,

E a justiça, como é injusta.

Que em meu peito eu pudesse respirar a inocência de se misturar sem desejar sentir.

Por que minha mesa está vazia, e meus fins de tarde nos domingos,

Ainda tem café, mas minhas Marias, elas não estão aqui,

Mas são a força que sustentam-me o papel e a caneta,

Estão nas fotos da capa, nas lentes das fotos e nos palpites,

Com seus ouvidos em meus olhos, e seus olhos em meu coração.

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