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Sim. Essa pessoa correndo com uma adolescente nos braços no meio da madrugada, sou eu. Sinto o peso de cada passo que dou, minha respiração pede trégua, mas não posso parar.

Alice esta desmaiada, ou pelo menos quase, algo entre a lucidez, o sono e a loucura.
Ela recita frases sem contexto as vezes.

Sua pele mais pálida que o normal me preocupa, e para piorar, o único hospital por perto não é perto de fato.

Caminhar na rua iluminada apenas pela rarefeita luz que vem dos postes é atormentador, me da uma estranha sensação de que estou sendo perseguido.

Se fechar meus olhos consigo ouvir minha respiração pesada, e se prendê-la, ao fundo, talvez eu escute o que parece ser a respiração de Alice.

Meus braços doem, mas a cada vez que sinto a dor aumentar eu faço questão de andar mais rápido.

Eu espero que Alice fique bem. Era claro em seu olhar que ela já se arrependeu do que fez, eu preciso continuar, continuar por minha vida e pela dela.

Nenhum carro ou sinal de vida se intromete em meu caminho.
Sem sinal de vida. Porém, espere, tem alguém enfrente ao próximo poste perto de mim.

Quando me aproximo percebo o padrão que se repete em suas aparições. Como já conclui antes.
Sem sinal de vida;

-Malditos postes. - Diz Valentina olhando para o céu como se tentasse enxergar algo além da escuridão.

Eu continuo andando, não tenho tempo e nem forças a perder. Passando por ela, a mesma se vira e começa a me acompanhar, não precisa de muito esforço pra isso, estou em um ritmo muito mais lento do que gostaria.

-Você parece tão cansado e mal. Acha mesmo que vai conseguir chegar em um hospital?

Quando ela diz isso é como se suas palavras mais fossem a causa do cansaço do que a percepção dele.
No mesmo instante sinto minhas pernas se enfraquecerem.

-Você não aguenta nem seu próprio peso, quanto menos o de uma garota em seus braços. O estrago já foi jeito, já fez sua parte, tentou e até demais evitar algo que talvez devesse ser assim.

Ao ouvir isso minhas forças são ceifadas por completo, caio de joelhos estendendo Alice no chão.

-Desista, parece covardia da minha parte incentivar o herói a parar de querer resgatar a princesa, mas essa aí é um caso perdido.

-Ela só será um caso perdido quando seu coração parar de bater. - Falo apoiando meu braço no chão.

-Pare de enganar a si mesmo. - Retruca Valentina.

-Diferente de você, ela ainda pode viver. - Com o impulso ergo minha perna no chão.

-Ela é só mais uma história que não deu certo.

-A história dela não acaba aqui. - Segurando Valentina novamente em meus braços respondo.

-Assim como eu, ela já está morta por dentro.

-Não. É exatamente o contrário de você, Valentina. Ela pode parecer morta por fora, mas seu coração ainda bate, ainda está viva por dentro. E enquanto há vida, há esperança. - Enfim me levanto completamente.

Passo por Valentina rápido.
Cair não é um problema desde que eu me levante.

Andar com Alice em meus braços é uma tarefa difícil, minha sorte é que agora eu enxergo um carro vindo, distante daqui, mas eu realmente preciso de uma carona.

-Se tivesse feito metade do que fez por ela, eu poderia estar viva... - Diz Valentina andando logo atrás de mim.

-Eu sinto muito.

-Eu teria feito o dobro de tudo isso por você.

-Não me transforme no vilão da história.

-Não se sente culpado? Então o que é isso tudo? Pois claramente não passa da culpa pesando em sua consciência e você tentando se redimir.

Eu a ignoro. Vou para o meio da rua esperar o carro chegar mais perto, é urgente, nem que eu fique na frente do carro, mas eu preciso dessa carona.

-Só faz isso por remorso. - Valentina fala do meu lado. -Mas você nunca vai poder reparar seu passado! Não importa quantas boas ações faça no futuro, essa cidade e essas pessoas são cicatrizes irreparáveis, aceite! - Continua.

Raiva começa a ser gerada dentro de mim, eu nunca fui bom em controlá-la.

-Eu não vou brigar com alguém que nem existe.

-Talvez porque você tenha me matado.

Isso foi a gota d'água, eu fui a única pessoa que tentou evitar e agora ela me culpa por ter feito o que fez?

-EU NÃO TE MATEI! VOCÊ, VALENTINA, VOCÊ SE MATOU! - Grito na cara de Valentina despejando nela tudo que acumulei ouvindo seus absurdos.

Quando abro meus olhos após terminar de falar eu percebo que Valentina não estão mais lá, mas o susto que tenho não vem do seu desaparecimento e sim da forte luz do carro a poucos metros de mim.

A buzina quase surda meus ouvidos e eu sinto rapidamente o carro me atingir com Alice em meus braços.

Alice E ElesOnde histórias criam vida. Descubra agora