10° - Final.

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Acho que estou sorrindo.
Meus olhos com certeza estão lacrimejando, um nó em minha garganta me sufoca de forma contraditória, pois, quanto mais me aperta, mais me sinto livre.

O ônibus é bem iluminado, estou sentado em uma de suas últimas fileiras, não tem quase ninguém além de mim. Olho pela janela e vejo a devastadora cidade. Tão calma e tão fria. Não sentirei falta daqui.

Olhe para frente e vejo Valentina se aproximando. Ela se senta ao meu lado.

-Você é uma deles não é? - Pergunto, pois está claro que o fantasma de Valentina não passa de uma memória não superada.

-Sim, eu sou, me desculpe... Mas me diz. O que vai fazer agora? - Diz ela olhando pela minha janela.

-Eu vou sair da cidade, ir para longe.

-Fugir é a solução?

-Eu estou correndo de vocês por minha vida, Valentina. Longe daqui eu poderei recomeçar e eu sei que não estarei sozinho. Essa cidade é uma cicatriz.

-E se nós te procurarmos?

-Não podem me achar.

-Por que não?

-Eu não sei se já percebeu, mas nenhum de vocês sabe meu nome.

-Então isso é um adeus? - Diz Valentina depois de alguns segundos de silêncio, suspirando.

-Não Valentina. Eu já me despedi de você há muito tempo. Isso é o fim do que já deveria ter acabado. Eu preciso deixar a cidade para continuar vivo, entende?

Olho em direção à ela. Valentina lacrimeja olhando para seus pés.

-Eu sinto muito. Te levar embora daqui nunca foi minha intenção.- Conclui.

-É que, suicidas na verdade se explodem e matam todos em sua volta. O sangue deles mancha para sempre a cidade e também as roupas de todos que vivem nela. É uma destruição disfarçada de solução, é cruel com todos, mas não de forma justa, de forma terrível e irreversível. Costumam de dizer que a pessoa que se faz algo assim é corajosa, mas isso é pura covardia. Não estou dizendo que devemos desrespeitar ou desonrar quem comete tal ato, mas eu estou implorando para que não os glorifiquem.

Valentina respira fundo, enxuga suas lágrimas, olha para mim e diz:

-Ei, eu desejo que você seja feliz, tá? Onde estiver, não seja como eu fui, tente, tente não se afogar, e caso se afogue, espero que alguém te ajude a emergir. E eu também espero que um dia você possa me perdoar, não permita que o que eu fiz estrague sua vida, por favor. Esqueça que eu existi, por mim. - Olho para seus olhos e percebo que é a primeira vez que vejo Valentina chorando.

Ela se levanta do banco, e sai do ônibus. Nesse momento eu sinto um alívio que aquece meu corpo, só espero que Alice fique bem.

A cidade é deserta de madrugada, somente anjos e demônios trafegam suas ruas, e logo mais, nem mesmo eu estarei perdido por elas.

O ônibus é ligado, em poucos minutos estarei longe daqui, o barulho de seu motor quase me tira a atenção da pessoa que me olha pela janela. É Valentina, com um sorriso que me faz chorar toda vez que me lembro de que nunca o verei novamente.

Eu respiro fundo e quebro uma promessa construída com as duras pedras de meu orgulho. Valentina encosta na janela e eu falo de forma tão dolorosa quanto libertadora.

-Valentina, eu te perdoo.

Fim.

Alice E ElesOnde histórias criam vida. Descubra agora