[Capítulo único]

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Posicionou seu polegar na forra e com toda sua força de vontade, fechou a porta de seu carro, mergulhado na certeza de que agora tivera resolvido a raiz do seu problema. O hospital era um piso acima, porém pela dor, não conseguira nada além de bramar seus horrores.

O suor descia pelas maçãs de seu rosto, remexia por entre os lençóis emaranhados do leito, vinte e três horas atrás. Buscava o conforto certo ao seu polegar enfaixado, pelo maldito caso esdrúxulo da madrugada passada. Incomodado, desistiu de seu sono e sentou-se na beira da cama, deixando seus pés pendurados, planando sob as correias de suas sandálias de borracha. Envolto na luz amarelada do abajur, pouco a pouco desenrolou a faixa, sentindo pinicar a carne viva no lugar onde um dia, já houve uma unha, mas ele já estava convicto, aquela unha que outrora residia ali, por algum motivo, sentia que não era sua. Buscou por faixas limpas na gaveta do criado mudo onde despojou o abajur, encontrando-as pós pouco tempo de procura, enrolando-as na mão esquerda conforme tivera feito com a faixa anterior.

Finalmente repousou sua cabeça suavemente sob o travesseiro, mas não por muito tempo, sua mente desacostumada com seu relógio biológico o acordou cinco horas depois da meia noite. Junto com ele, acordou também a sensação estranha de que algo estava errado com seu polegar enfaixado, cuja mesma fora ignorada por ele, pois se aproximava de si o horário de trabalho. Banhou-se, se alimentou, vestiu o fardamento social da empresa e desceu do apartamento onde mora, pegando seu carro no estacionamento do edifício e dirigindo até o trabalho. Nas paradas antes do sinal abrir, olhava fixamente pra sua mão no volante, até ser puxado dos devaneios pelas buzinas inquietas do carro que vinha atrás, alertando que o sinal já estava aberto.

Um dia de trabalho comum para Caio, as horas que passaram rápido até o fim do expediente, eram vinte e três horas da noite, ele já bateu o ponto e desceu até o estacionamento do prédio. Entrando no elevador, apertou o botão de descida com o dedo indicador, recobrando o incômodo que sentia desde que acordou, novamente tinha a certeza de que algo em sua mão estava errado. Dirigindo na avenida após pegar o carro, seu polegar não saia de sua visão, adornado pela confusão, mudando o curso de seu destino para ir ao hospital, resolver o incômodo de sua mão.

Estaciono o automóvel, o ar-condicionado quebrado deixou o recinto abafado, Caio desenrolou a faixa de sua mão esquerda e viu seu dedo avermelhado, ainda com resquícios do sangue seco. Olhando bem para o mesmo, concluiu que não era seu, aquele dedo. Caio abriu a porta do carro.

Quatro dias se passaram, sua visão se acostumava com a forte luz banhando seu rosto pálido, ao redor dela, pessoas vestidas de branco com máscaras descartáveis na face. O olhar turvo foi criando foco e cor, as pessoas ao redor se movimentavam de maneira ágil. Virando a cabeça poucos graus para o lado da bolsa de soro, deu-se conta da ausência de seu braço amputado, no entanto, sentiu-se bem, pois estava convicto, não era seu, o braço que lhe foi arrancado.

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⏰ Última atualização: Jan 24, 2019 ⏰

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