Capítulo 1

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    A paixão intensa, responsável por concentrar a maioria dos nossos pensamentos na pessoa amada, não escolhe época para surgir. Aprendi essa lição no meu tempo de faculdade, numa fase onde festas e diversão sem compromisso ditavam as regras. Contudo elas quebraram-se quando conheci Letícia. Transferida de uma universidade do Paraná, ela ingressou no terceiro período da minha turma do curso de Educação Física. Logo nas primeiras conversas, descobrimos ter os mesmos sonhos e planos.

Aos poucos, a atração por aquela moça de pele clara e cabelos loiros dominou-me como um feitiço descomunal. Seus olhos esverdeados semelhantes a duas pedras preciosas brilhavam na direção dos meus, atingindo-me como raios certeiros. Um sentimento mútuo nos uniu e seguimos juntos até o final dos nossos estudos.

Após nos formarmos, batalhamos por emprego em academias como professores ou personal trainers. Contando com o apoio incondicional de nossas famílias, alugamos um apartamento em Copacabana, onde passamos a dividir não só as despesas como também muitos momentos de alegria e prazer. Após doze meses de organização das nossas vidas, finalmente nos casamos oficialmente numa igreja do mesmo bairro.

Antes de conhecer Letícia, não levava a sério os termos "alma gêmea" ou "par perfeito", porém cada dia ao seu lado servia para eu rever meus conceitos românticos.

Por muitas vezes agradeci a Deus pelo privilégio do amor daquela mulher. Além de amiga, ela demonstrou-se uma maravilhosa amante nas nossas tórridas noites de prazer.

— Quero você para mim! — Eu sussurrava ao seu ouvido enquanto minha boca cobria de beijos seu pescoço e a ponta dos meus dedos deslizava por suas curvas, arrepiando cada um de seus pelos.

— Sou sua! Todinha sua! — Também aos sussurros, ela retribuía o carinho arranhando levemente minhas costas.

Com a explosão quase diária dos nossos hormônios não foi surpresa o fato dela engravidar logo. Tivemos uma filha e a batizamos de Júlia em homenagem a falecida avó de Letícia.

Devido a uma flexibilidade de horários, aproveitamos bastante nossa vida a três. Acompanhei minha filha crescer, presenciando com alegria cada ínfima descoberta dela. Apesar de não sermos ricos financeiramente, possuíamos uma incalculável fortuna de amor.

Durante vários anos passamos por altos e baixos, mas sempre ligados por esse sentimento sólido como uma rocha. Até o dia considerado por mim como um divisor de águas, onde iniciei minha queda das nuvens brancas do céu para o cenário escaldante do inferno.

Júlia completava 8 anos de idade e organizamos uma modesta festa em nossa casa. Convidamos apenas alguns amiguinhos dela juntamente com seus respectivos pais. Além deles, também estavam meus sogros e meu amigo Michel, o padrinho da minha garotinha.

Nossa amizade vinha desde a infância e tínhamos muitas histórias para contar. Quando Júlia nasceu, não tivemos dúvida nenhuma em convidá-lo para batizá-la. Sendo Letícia filha única, ela convidou uma prima de Curitiba para o papel de madrinha, cuja presença também se fazia notar no nosso evento.

Diferentemente de Letícia, eu possuía uma irmã chamada Mariana. Devido a uma oportunidade de emprego, ela mudou-se para Portugal levando nossos aposentados pais a tiracolo.

A festa transcorria bem, no entanto levamos um susto após cantarmos o "Parabéns pra você" e distribuirmos os pedaços de bolo entre os convidados. Enquanto todos saboreavam a guloseima, o barulho de um acidente doméstico assustou alguns deles. O incidente ocorreu graças a um esbarrão de Letícia numa cadeira, quase levando-a ao chão.

— Está tudo bem? — Segurei no seu braço, puxando-a em minha direção.

— Não sei. Senti uma tonteira estranha. — Ela levou a mão à cabeça, sentando-se no mesmo móvel onde encostara antes.

A princípio atribuímos esse incômodo dela a algum alimento em mal estado de conservação. Para nossa sorte, esses sintomas surgiram apenas no final da comemoração e não tardou para as pessoas se retirarem, permitindo um descanso para minha esposa.

Nos dias seguintes, ela voltou a se sentir mal e, sem perdermos tempo, marcamos uma consulta com um neurologista. Por recomendação dele, levei-a para realizar uma vasta bateria de exames. Sem coragem de abrir os envelopes com os resultados, levamos os papéis rapidamente para o médico. Após olhá-los minuciosamente, ele pigarreou antes de nos falar palavras tão dolorosas quanto um soco desferido na boca do estômago:

— Infelizmente não tenho uma boa notícia. Você está com um tumor cerebral inoperável.

— Como assim? Qual o procedimento nesse caso? — ela perguntou cheia de aflição e medo, enquanto eu, em choque, emudeci.

— Iniciaremos a quimioterapia o mais rápido possível.

— Doutor, quais são as minhas chances? — A voz abafada da minha amada parecia saber a resposta de sua própria pergunta e os segundos de silêncio do médico foram aterrorizantes.

— Preciso ser honesto com vocês. — Ele ajeitou seus óculos no rosto, ganhando tempo até nos destruir por completo. — O tratamento servirá apenas para prolongar sua vida, Letícia. Em casos graves como o seu, o paciente resiste a, no máximo, seis meses. Lamento muito.

Naquele instante senti como se uma bomba atômica explodisse dentro do meu peito. Minhas pernas tremeram. Levantei-me, apoiando-me na parede para não cair.

Meu Deus, isso não pode ser verdade! Como vou viver sem ela?

A essa altura eu já não conseguia controlar o choro. Passava um filme na minha cabeça com todos os nossos momentos maravilhosos. Nos abraçamos como se fosse a última vez.

— Eu te amo, meu amor. Ficarei ao seu lado o tempo todo. Deve haver uma saída. — Balbuciei essas palavras com meus lábios trêmulos.

— Eu também te amo muito. — Ela voltou a me abraçar com força.

Munidos de uma ilusória esperança, procuramos outros médicos à espera de um milagre. Dediquei-me inteiramente ao tratamento dela, raspando meu cabelo para acompanhá-la no traumatizante dia no qual ela se viu obrigada a desfazer-se dos seus fios. Apesar dos nossos esforços, meu mundo desmoronou por completo após cinco meses, quando a doença a derrotou.

Fiquei sem chão, totalmente desolado. Chorei lágrimas intermináveis, pois meu coração havia sido esmagado. Aquela doença terrível e cruel devastou-me com a força de um tufão fazendo a ausência de Letícia passar por cima do meu corpo tal qual um rolo compressor.

Comminha vida em frangalhos, não enxerguei a importante missão atribuída a mim apartir dessa tragédia, pois o agudo sofrimento embaralhava meus pensamentos, impedindo-mede seguir em frente.

A Busca Incessante - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora