Capítulo 29

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Aqua

Eu acordo com o barulho de um grito, e, por um segundo, me pergunto se é meu. Não era, percebo. Abro os olhos mas não olho ao redor, as memórias voltando a minha cabeça. Subindo na moto de Crow, ele indo falar com Wolf, o beijo... Ace me fazendo apagar.

No início, eu não entendi muito bem o que estava acontecendo. Mas foi apenas olhar para Crow e eu compreendi. Ele estava dando seu jeito de me tirar dali. Não tinha nenhuma intenção de me deixar participar, apenas mentiu para mim.

A percepção disso me deixa com raiva, mas, meu foco muda quando outro grito soa, um grito choroso e quebrado. Eu consigo perceber que ele vinha do andar de baixo.

"Triste, não é? Ela tem estado assim desde que eles voltaram." A voz familiar me faz congelar, e lágrimas aparecem em meus olhos.

Lentamente, eu viro minha cabeça em direção a o local onde sua voz veio, e imediatamente sinto uma lágrima escorrer pela minha bochecha quando vejo minha melhor amiga.

Chelsea sempre foi deslumbrante. Seu cabelo era de um ruivo claro, longo até a cintura, como os de todas as meninas do orfanato. Sua pele era pálida e ela tinha algumas sardinhas no nariz, o que eu sempre achei lindo. Seus olhos eram amarelos, e eles estavam frios e sem emoção enquanto me encaravam.

"Chel?" Pergunto, minha voz fraca, e eu me forço a sentar na cama. Minha amiga, que estava sentada em uma cadeira ao lado da minha cama, não sorri ou se move.

"Oi, Aqua." Diz, e sua voz sem emoção me assusta um pouco. Chel sempre foi gentil comigo... Agora ela estava apenas fria.

Decido não mencionar. E nem mesmo teria tempo, porque, nesse momento, outro grito misturado com choro soa pelo complexo. Arregalo os olhos.

"Ela esteve assim desde que eu cheguei com esses motoqueiros. Pelo que ouvi, algo sobre seu marido estar morto." Congelo no segundo em que ela solta essas palavras, e toda a raiva que eu podia ter de Crow foi embora.

Rocket estava morto? Aí meu deus, Barbie... Quando um pensamento sombrio passa pela minha cabeça, medo congela minhas veias.

"Chelsea... Quem te resgatou?" Pergunto, e minha amiga se encolhe um pouco, mas seus olhos ainda eram frios. Não consigo pensar sobre o que aconteceu com ela, não quando esse pavor estava sob mim.

"Um loiro sem camisa entrou na minha cela e me mandou sair com uma arma apontada para a minha cabeça. Só descobri que você estava aqui quando chegamos." Tudo bem, Wolf estava vivo...

"Quem mais estava com você, Chelsea?" Pergunto, um pouco mais duramente do que queria. Ela franze a testa.

"Um menino com cabelos brancos, outro moreno, o único sem tatuagens..." Joker e Rage, ela estava falando. Meu coração batia rapidamente. "Um outro cara grande com cabelos castanhos claros... Ah, e também tinha um outro moreno que eles chamaram de Prez, mas esse estava com um tiro na perna." Diz, dando de ombros.

Eu não consegui nem ter tempo de sentir felicidade por ver minha amiga viva, porque o pavor de Crow estar machucado tomou conta.

Sem me importar com nada mais, eu levanto da cama, apenas com uma camisola curta e de ceda, e eu tinha consciência que não usava um sutiã, mas também não consegui ligar para isso.

Saio do quarto rapidamente, e Chelsea também não me chama. No fundo da minha mente, eu me perguntava o que diabos aconteceu com ela, mas Crow estava machucado e, nesse momento, é só isso que importa.

Eu caminho do meu antigo quarto, onde Ace provavelmente tinha me colocado, até o quarto de Crow. Estremeço com a visão assim que abro a porta e boto meu olho em seu corpo em cima da cama.

Ele estava um pouco mais pálido do que o normal, o que me assustou, e sua perna estava enfaixada. Ainda usava a calça jeans , apesar de, na perna onde tinha levado um tiro, a calça havia sido rasgada na área do joelho.

Haviam alguns cortes em seu rosto e braço, e eu franzi a testa, meio revoltada com a ideia de vê-lo assim.

"Vai entrar ou simplesmente me encarar da porta?" Ouço sua voz fraca, e vejo seus olhos, que agora estavam abertos e em mim.

Mordo o lábio, mas dou um passo para frente e bato a porta fechada atrás de mim. Troco o meu peso do pé esquerdo para o direito, nervosa, mas me aproximo da sua cama.

"Eu meio que estou esperando que grite comigo ou algo assim." Ele murmura, sentando na cama, e o vejo estremecer com o movimento, mas nega quando ofereço ajuda.

"Eu estava chateada para caralho com você quando acordei, alguns minutos atrás." Digo, e vejo seu sorriso quando eu solto um palavrão. Suspiro. "Mas aí eu vi Chelsea e ela me contou sobre Rocket. Você salvou minha amiga e, por uns segundos, eu estava aterrorizada que você não iria voltar. Então entendo porque fez o que fez, mesmo que não concorde." Explico, e ele assente.

Vejo Crow chegar um pouco para o lado e me puxar para sentar ao seu lado na cama. Fico preocupada que ele possa se machucar, mas, quando tento me levantar, ele rodeia seu braço em minha cintura e me mantém bem ao seu lado.

"Vai me contar o que aconteceu?" Pergunto, e sinto seu corpo tensionar e vejo sua mandíbula trincar.

"Tinha um sistema de alarme e muito mais guardas do que previmos. Tinha que ter sido muito mais planejado, babe. Quando eu vi, tinham dez caras vindo em nossa direção, e Rocket já estava no chão, morto. Mandei Wolf ir procurar Chelsea e Hacker e Sniper trazerem o corpo de Rocket para cá." Explica, suas mãos se fechando em punhos quando fala de seu amigo morto, e eu boto minha mão sob a sua. Ele relaxa um pouco.

"Sobrou então o trio mortal e eu. Dez caras a mais vieram em seguida, e eu acabei levando um tiro na perna. Rage tomou um de raspão no braço também, mas o cara está mais do que acostumado com arranhões. Seguramos a barra até que Wolf ligou e demos o fora de lá." Diz, apertando minha mão.

Ficamos em silêncio por alguns minutos, e eu deito minha cabeça em seu ombro, tão aliviada que ele voltou para mim. Suspiro, e minha mente volta para Chelsea e seu olhar frio.

"Eu conheço esse suspiro... O que foi?" Crow sussurra contra o meu cabelo, dando um beijo em minha cabeça. Meus olhos enchem de lágrimas.

"Chel... Algo aconteceu com ela, Crow. Estava fria, e ela nunca foi assim, não comigo." Digo, apertando sua mão em busca de apoio.

"Nunca me contou... O que fez você fugir aquele dia?" Pergunta, e eu fico tensa e mordo o lábio. Sabia que teria que falar em algum momento, e não vi motivos para não ser agora.

"O orfanato soube que alguém roubou um pedaço de pão da cozinha." Explico, sentido minhas bochechas corarem.

"Foi você?" Ele perguntou, e eu nego com a cabeça.

"Não, foi Chelsea. Mas ela roubou por mim. Eu estava passando mal, uma semana antes de fugir, e precisava de algo para comer. Estava sob punição por causa de alguma coisa boba, nem mesmo me lembro o que era, e eles não iriam me dar comida. Então Chel roubou e, uns dias depois, eles descobriram." Falo, meus olhos se enchendo de lágrimas pela vida que tinha apenas um mês atrás, mais ou menos.

"Ela levou dez chibatadas, Crow. Por mim, porque eu precisava comer. Depois, cuidei de suas feridas e, alguns dias depois disso, fugi. Não queria que ela se machucasse por pegar algo para mim, Crow. Então eu fugi."

Por alguns segundos, ele não responde, e eu me pergunto se me achou tão covarde como eu me acho. Mas, depois, ele pega minha cabeça entre as mãos e se afasta um pouco, para me encarar.

"Não sabemos o que aconteceu com ela no tempo que estava aqui, lil blue. As coisas mudam. Chelsea pode ter mudado também." Diz, seus olhos cinzas presos nos meus, e eu assenti.

"Podemos falar sobre isso depois?" Pergunto, e sei que ele entende.

O mundo ao nosso redor estava caindo. Rocket morreu, Barbie estava quebrando, Chelsea estava de volta, mas diferente e o orfanato ainda estava por aí.

Mas, hoje, agora, nenhum de nós liga. Porque esse aqui é nossa pequena bolha. E não vou deixar ninguém estourar hoje.

"Eu te amo." Ele sussurra quando eu deito em seu peito, e um sorrisinho cresce em meu rosto.

"Eu te amo também." E, Deus, como eu fazia.

Crow- Flaming ReapersOnde histórias criam vida. Descubra agora