“Não, por favor…” Começo a chorar, quando me apercebo da realidade que me atinge. O pobre rapaz acabara de morrer nos meus braços. “Por favor…” Murmuro e choro são misturados, enquanto o meu corpo cai no chão.
Estendo o corpo do rapaz sobre o solo, visualizando a imagem horrorosa e penosa que se encontra diante dos meus olhos. O rapaz negro está agora morto, sem qualquer vida. Um rapaz mais novo que eu, uma simples e inocente criança.
Como é que alguém é capaz de matar uma criança?
Os seus olhos castanhos e inanimados estão ainda abertos. As minhas mãos rugosas e cheias de calos, devido aos trabalhos forçados, fecham cuidadosamente as pálpebras do rapaz. Os meus olhos ainda lacrimejam, o meu cérebro tenta captar tudo o que acabara de acontecer e o meu coração está mais esmagado do que eu pensei que pudesse ser possível.
“Sacanas de uma porra!” Grito, não muito alto, tentando aliviar a dor que estava a sentir no meu peito.
Antes que algum daqueles desenfreados e sem coração ‘Predadores’ me veja, carrego o rapaz ao colo, em direção aos dormitórios. O meu toque entra em contato com o sangue que ainda derrama nas costas do garoto.
Praticamente corro pela plantação, tentando chegar o mais rápido possível. Os meus pés latejam devido às calcadelas que dou nas pedras. Os meus caracóis espalham-se pelo meu rosto imundo e suado dificultando a visão.
Ainda consigo reparar nos olhares de pena, que algum dos atarefados rapazes me mandam, perguntando-se se o rapaz que carrego nos braços, ainda estará ou não vivo. Infelizmente a resposta não é agradável, e só o pensamento de estar a carregar alguém morto, deixa-me nauseado e sem forças.
Assim que alcanço os dormitórios, o meu cérebro consegue parar para pensar o que fazer com o que tenho entre mãos.
“Mas que raio? O que pensas que estás a fazer?” O meu coração para assim que me apercebo que sou apanhado. A minha cabeça inclina-se visualizando o musculado e feio homem que me olha severamente. “Ainda para mais com isso!” O seu dedo indicador aponta com repulsa para o rapaz que carrego.
“Eu… ahm… ele está morto!” A minha voz sai trémula devido ao que acabo de dizer e ao olhar que o ‘Gorila’ me manda.
“Passa-o para cá!” A sua voz gélida ordena, abrindo os seus braços. Com cuidado mas com pressa o corpo morto é passado de mim para o homem. “Agora volta ao trabalho!” Obedeço à sua ordem, não querendo acabar morto como o pobre rapaz. “E da próxima vez, não voltes a trazer os mortos. Preocupa-te contigo!”
Fico perplexo e boquiaberto com o que o estúpido e arrogante ser me diz. Como é possível ele dizer para eu não ajudar a minha família? Pois, a verdade é que após todos estes anos, todos estes rapazes são meus parentes. São a minha verdadeira família!
Quem me dera puder fazer algo para os ajudar?
Regresso apressadamente para o meu ‘local de trabalho’, continuando a realizar o meu serviço. Não pude deixar de reparar no ensanguentado chão a uns metros de mim, onde à pouco um inocente rapaz perdeu a vida.
Desligo rapidamente esses pensamentos da minha mente, concentrando-me na tarefa que tenho para fazer. Olho as minhas mãos, as quais possuem agora uma cor avermelhada devido ao sangue. Esfrego-as uma contra a outra, tentando sem sucesso que o sangue me deixasse.
Ao longo da fila de plantações em que me encontro, uma dezena de ‘Predadores’ olham-me de lado certificando-se se estou a trabalhar. Pego no balde e começo a apanhar as sementes do cacau que se encontram bem presas às árvores. Os meus braços latejam enquanto me estico para chegar a alguns galhos. Os meus olhos entreabrem-se muito reticentemente devido ao cansado que o meu corpo em geral sente.
O facto de não dormirmos o suficiente, de não sermos alimentados corretamente e de não termos condições mínimas de vida e higiene contribui para que o nosso corpo esteja fraco, e que muitos rapazes morram por causa disso.
***
O meu corpo e a minha mente meio que relaxam quando me sinto a embater contra o meu ‘colchão’. Os meus olhos fecham enquanto solto um suspiro pesado pela minha boca. O meu peito sobe e desce, tentando que a respiração regularize.
“Então Harry, o que se passou hoje? Disseram-me que um miúdo morreu nos teus braços!” Ouvi a voz carregada de preocupação de Dylan, que me acordou do descanso.
“Pois, hoje foi um mau dia!”
“Todos são…” A sua frase atinge-me, estremecendo toda a minha pele.
Os meus olhos voltaram a cerrar, deixando que o meu cansaço me dominasse e me fizesse adormecer. Pelo menos enquanto durmo, posso sonhar com um mundo melhor. O facto de poder simplesmente sonhar já é algo que me transmite alguma serenidade.
Mas uma súbita e pesada tristeza atinge o meu coração ao perceber que não passam simplesmente de meros e inalcançáveis SONHOS!
Acordo de manhã, assim que os raios de sol entram pelo inacabado teto que está por cima de mim. Todos os rapazes estão também a acordar, mentalizando-se que hoje seria mais um árduo dia.
“Quero tanto ir embora! Só quero a minha mamã de volta!” Uma voz fininha misturada com choro chama a minha atenção, fazendo com que a minha cabeça se voltasse. Um menino com provavelmente oito anos, está com a cabeça enterrada na ‘almofada’.
“Estás bem?” Toco no seu ombro tentando alcançar a sua atenção. A sua cabecinha olha-me, os seus olhos mostram receio e preocupação. “Não te vou fazer mal!”
O pequeno abre espaço para que eu me sente ao seu lado, gesto ao qual eu assinto, sentando-me.
“Como te chamas, pequenote?” Afago-lhe a cabeça, e limpo-lhe as lágrimas que escoriam pelo seu rosto.
Como é possível um menino tão pequeno e adorável ter vindo aqui parar?
“Chaga!” Ele diz, não me olhando diretamente. As suas pequenas mãozinhas limpam as gotas de água que se formam nos seus olhos.
“Tens um nome lindo, sabias?” O menino olha-me, e sorri-me fracamente.
“Obrigada!” Ele abraça-me e eu aperto-o contra mim. Eu sabia que ambos estávamos a precisar de um abraço de consolo.
A minha mão esfrega os meus olhos assim que sinto lágrimas a ameaçarem cair. Os meus pensamentos sobre o que os homens irão por esta pequena criança a fazer, abalam o meu coração e fazem com que eu queira proteger esta criança mais do que qualquer um que aqui esteja.
“Eu não quero estar aqui!” Ele choraminga, desta vez olhando-me.
“Nem eu!” Suspiro em frustração, por saber que nada do que nenhum de nós quer, realmente acontece.
“Eu vou morrer?” A sua pergunta deixa-me sem resposta. A verdade é que nós nunca sabes o que nos irá acontecer no minuto a seguir, quanto mais se vamos morrer.
“Não sei…nenhum de nós sabe.” Digo-lhe sinceramente, vendo lágrimas formarem-se nos seus olhinhos cor de mel. Coitadinho! “Mas não te preocupes, eu vou proteger-te! Eu vou tirar-te daqui!”
“Prometes?”
“Não prometo, mas posso sempre tentar, pequenote!”
“Okay, então eu também te protejo!” Ele diz, estendo-me o seu mindinho, o qual eu enrolo com o meu mindinho.
“Agora temos de nos levantar, está bem?” Ajudo Chaga a levantar-se, e agarro na sua mãozinha, levando-o comigo para a fila que entretanto já se formara.
“Mais um dia de trabalho, toca a mexer!” Dizia o ‘Predador’ assim que nos abria a porta para dar acesso ao campo. “Menos tu, ó pequenote! Tu vens comigo!” Ele agarra brutalmente na mão de Chaga que instantaneamente crava as suas unhas em mim.
“Não quero ir! Deixe-me ficar com ele!”Chaga choraminga, fazendo o homem rir-se.
“Nem penses, tu vens comigo e nada de choraminguices.” O olhar do homem passa de Chaga para mim, e assim sucessivamente.
Ainda tenho tempo de murmurar um ‘vai correr tudo bem’ para Chaga antes de ele sair do meu ponto de visão. O meu coração aperta devido à incerteza do que irão fazer à criança amorosa e assustada que acabei de conhecer.
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The Slave's Field || h.s
FanficSONHOS! Todos temos sonhos. Nem que seja apenas um! Todos nós sonhamos com alguma coisa. REALIDADE! Todos temos realidade! Mas neste caso, a realidade é apenas uma! Harry, é a prova de que a vida se resume a uma realidade em que não há espaço para s...