Um Terrível Equívoco

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Naquela noite de outono, um serial killer estava à espreita em um beco escuro, próximo à uma movimentada avenida do centro de Porto Alegre. Um predador à procura dos rastros de sua próxima presa. Havia parado de chover, e a umidade que corria pelas sarjetas exalava um cheiro fétido dos esgotos. Ele aguardava pela escolha da próxima vítima, aquela que iria saciar seu desejo insano por sangue.

Na saída da casa noturna, vira uma linda jovem de cabelos negros como a noite sair. Pareceu estar confusa ou, talvez, embriagada. Era o alvo perfeito. E, por mais improvável que parecesse, ela seguiu a passos rápidos pelo caminho do beco.

A garota era linda, de beleza jovial. Seu instinto assassino o mandava segui-la. Aparentemente, tão frágil e indefesa! Aquilo aguçava ainda mais a sua sede de morte.

A jovem mulher caminhou apressada, com suas sandálias de salto douradas batendo sobre as pedras da calçada, feito um marca-passo. Estava intrigada, sempre olhando para os lados. Arrastava pelo passeio enlameado um casaco cintilante. Seu vestido preto na altura dos joelhos revelava um discreto decote em V. Parecia tão inocente e, ao mesmo tempo, tão devassa... e seus lábios vermelho-sangue liberavam uma respiração afobada e nervosa. O quadro que se descortinava despertou os impulsos mais insanos do assassino.

Ele a seguiu, furtivamente, até o fim do beco. Deparando-se com o muro de uma velha construção abandonada, a jovem percebeu estar numa ruela sem saída. Seu rosto delicadamente desenhado como uma boneca de porcelana, exprimiu um olhar confuso e distraído. Ou seria uma malícia oculta?

Deu meia volta e continuou caminhando na direção contrária, de volta à rua principal. Ela fitou o seu redor com olhos arregalados, mirava de um lado ao outro, como se percebesse a presença do assassino.

"Assim vai ficar mais fácil!", pensou o homem, já imaginando as terríveis coisas que faria com a jovem moça. "Ela vem até mim!" Seu coração acelerou intensamente e, feito um coiote faminto a avistar um cordeiro, começou a salivar.

Quanto mais a moça se aproximava, mais tenso o psicopata ficava. Seus punhos estavam cerrados e o suor corria-lhe pela testa. Cada segundo parecia uma eternidade. A cada passo da mulher, ele se preparava e arquitetava cada futuro movimento. Definitivamente, o serial killer não deixaria o pequeno cordeiro escapar.

Tirando uma faca tática de dentro do seu casaco, ele preparou-se para o bote. Em sua mente, podia sentir o cheiro de sangue misturado ao perfume doce da inocente jovem. A iminência do êxtase doentio levou seu autocontrole ao limite. Era hora de atacar.

Saindo das sombras onde se ocultara, pôs-se num salto de frente à mulher. Mal deu tempo para ela perceber o que acontecia e ele a atacou, dando-lhe uma gravata no pescoço e pondo a faca com a ponta em seu rosto. Nervoso, ele a ameaçou:

- Não grita! Eu vou te levar comigo e você vai me implorar pra eu te matar de uma vez!

A moça, que aparentava não estar preocupada, nem sequer gemeu. Com uma voz doce e sedutora, ela falou em tom penetrante, tão suavemente como a brisa. Porém, avassalador como o sussurro da Morte:

- Senhor, está acontecendo um equívoco...

Não compreendendo o que a mulher lhe dissera, virou-a de frente e a agarrou pelos braços, com força. Seus membros estavam gelados e o rosto alvo era pálido como um fantasma. Ela o encarou profundamente com olhos felinos e esboçou um meio sorriso malicioso.

Confuso diante da reação inesperada, o psicopata mal pronunciou:

- Do que tu tá falando?

O olhar da jovem o hipnotizou e sua voz envolvente lhe aprisionou a mente:

- Você cometeu um terrível equívoco.

- Que equívoco? – balbuciou o psicopata, escutando os batimentos do próprio coração dentro dos ouvidos.

- Sim, meu caro, um terrível equívoco. Pois a vítima desta tragédia macabra não sou eu e sim você!

O homem, ofegante, arregalou os olhos incrédulo:

- Que piração é essa?

Sorrindo com a boca entreaberta, a jovem moça revelou dentes caninos e pontiagudos, como uma serpente peçonhenta se preparando para o bote fatal.

Num tom irônico, ela apenas respondeu:

- Você acha que eu estava zanzando pelos becos à noite à toa? Você deve ser muito idiota pra não perceber que eu estava à procura de um homem só, estúpido e tolo assim como você, para saciar a minha fome...

- Quem é você?

- Eu sou a Dama da Noite, uma vampira, Senhora da Escuridão! EU ESTOU COM FOME E VOCÊ É A MINHA CAÇA!

A moça, que antes parecia ser uma pobre vítima indefesa, atacou-o ferozmente com suas grandes presas pontiagudas. Seus enormes dentes cravaram no pescoço exposto do psicopata, fazendo uma abertura que lhe permitiu drenar seu vermelho e precioso sangue. A cada gole quente, a satisfação emocional e física da vampira em frente ao desespero do equivocado psicopata parecia insaciável.

Logo que o assassino desfaleceu, ela o deixou cair de cabeça na quina da rua, provocando-lhe um traumatismo craniano. Ninguém desconfiaria que um homem bruto e de caráter duvidoso não tomara um porre e entrara numa briga de rua mortal. Em último caso, teria tropeçado nas próprias pernas embriagado, e caído com a cabeça no cordão da calçada.

Fêmea, com seus olhos ardendo em brilho e um sorriso de realização pessoal, ela limpou o sangue da boca. Sem olhar para trás, seguiu pela neblina em busca de tudo o que aquela sinistra noite poderia lhe oferecer.

O psicopata e assassino a sangue frio, passou de predador para presa por um terrível equívoco. Às vezes, tudo o que fazemos para os outros, mais cedo ou mais tarde, retorna. Dessa vez, a serpente provou de seu próprio veneno.

946 palavras

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