A primeira noite no quarto 305

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De todas as coisas que poderiam acontecer em seu primeiro dia de aula na escola nova, aquilo era algo que Otabek realmente não esperava. Quer dizer, quem esperaria ser alertado de que havia uma assombração presa justamente no quarto onde estaria alojado? E, ainda que tivesse um fascínio pelo sobrenatural e aquela história realmente parecesse interessante, tendo como protagonista um garoto russo da turma terceiranista de 87, o moreno duvidava muito de sua credibilidade.

Seu rosto não tinha expressão alguma enquanto escutava a suposta lenda mais famosa da escola. O armário 305 – o mesmo número de seu quarto – estava escancarado, já que ia pegar seus materiais pra primeira aula, quando fora interrompido por dois veteranos que diziam precisar avisá-lo de um grande perigo, uma ameaça que poderia colocar sua vida em risco. Tamanha foi sua surpresa quando começaram a contar a história, que parecia dramática demais pra ter de fato ocorrido.

— O rapaz foi morto por um bully no ano de 1987. Bella viu o reflexo dele no espelho do banheiro na primeira semana dela aqui no internato. – contava Jean Jacques Leroy, um canadense intercambista que estava há 5 anos na Rússia. Seus olhos azuis tinham um brilho sério e até mesmo amedrontado, mas aquilo não era apelo o suficiente pra fazer Otabek acreditar.

— É verdade, foi horrível! Ele tinha aqueles cabelos loiros emaranhados, como um ninho de ratos, olheiras profundas e sangue saindo da boca! – a namorada de JJ e também terceiranista, Isabella Yang, descreveu a assombração, confirmando o que o atual namorado havia dito. – É melhor tomar cuidado, Otabek. Deveria pedir pra trocar de quarto, ou o fantasma pode se zangar e tentar machuca-lo de noite!

Ponto: ali é que morava a farsa. Tendo alguém dizendo para si que deveria mudar de quarto só por uma mera "assombração" o fazia acreditar que havia algo a mais por detrás daquilo. Talvez o quarto onde estava alojado antes fosse o ponto de encontro do casal de veteranos – já que, por alguma razão, ou por simples boatos, estava sempre desocupado – e por isso queriam assusta-lo, para fazê-lo sair de lá e continuarem com seus encontros secretos.

— Não, obrigado. Eu estou bem com aquele quarto. – E com uma expressão indecifrável, o primeiranista pegou seus cadernos no armário e deixou o casal sozinho, indo rumo à sala de aula. Não eram pessoas como aquelas que iriam atrapalhar seus planos.

Havia tido uma conversa prévia com o diretor da escola, Viktor Nikiforov, sobre precisar do quarto mais afastado e isolado possível. É claro que havia sido questionado sobre o motivo de tal pedido e teve de revelar algo vergonhoso que guardava sempre para si: sofria de sonambulismo. Ah, Otabek já estava cansado de se levantar pela noite, abrir a porta do quarto sem grandes problemas e fazer coisas estranhas, que sempre eram observadas por todos quando descobriam o problema do cazaque. Ele não queria que isso acontecesse de novo, não ali onde ainda tinha uma reputação pela qual zelar, onde ainda poderia fazer amigos, ao invés de ser tratado como uma espécie de atração de circo dos horrores.

— Bom, nós temos o quarto 305. – disse o diretor, abrindo uma gaveta e procurando pela chave do alojamento – No entanto, todos que se mudam pra lá pedem pra sair no dia seguinte, por algum motivo desconhecido. Ainda assim, creio que seria a melhor opção para o seu caso, sr. Altin. O corredor do 305 é vazio, calmo e isolado; só existem mais dois alunos residindo nessa parte do dormitório, mas seus quartos ficam afastados desse. É realmente isso o que você deseja?

O russo estendeu a chave do 305 para Otabek, assim que o jovem assentiu, agarrando em seguida aquela que era sua oportunidade de parecer alguém normal e ter paz e tranquilidade em sua vida escolar.

Ou ao menos foi o que pensou.

O dia passou mais rápido do que imaginava. Havia escutado sobre como o colégio era de alto padrão e diferenciado – a ponto de receber frequentemente jovens das famílias mais abastadas e influentes do mundo –, mas não esperava que fosse tão diferente dos outros nos quais havia estudado previamente.

O Fantasma do Quarto 305Onde histórias criam vida. Descubra agora