Terra Averna (conto, Sci-Fi)

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Escuro ou claro ao lado exterior, a relevância se perdia. Dentro do casulo ilusório, protegia-se aprisionada. Aço gelado do revestimento emoldurava a marca em sua face, por horas omitidas que passara deitada no metal sem vida. Liberado, o gatilho recebia pressão crescente que aliviava, dando início à carga do disparo para logo ser cancelada. O ruído causado era um atrativo apavorante e interessante na inércia interna de sons, além da abafada sinfonia fantasmagórica dos ventos que ameaçavam engolí-la ao longo do éon.

Monotonia na letargia. Orbes estáticas e vazias. Sentidos anestesiados saboreavam o bocal gelado sobre a têmpora.

Travado. Destravado.

Pressão e alívio.

Almejava ser leiga na arte do assassinato e perder o controle sobre o gatilho, findando a sina.

Falha de protocolo — irrompeu o aviso. O silêncio escarnecia suas memórias com indiferença ao passo que a voz da máquina, montada em pura razão, lhe recobrava a sobriedade. Um universo se construiu atrás de seus olhos e as retinas focaram-se ao nada que havia — Falha — o timbre sintético persistiu a fazendo recordando das nuances daquela fala reverberada — Falha.

Um fio de cabelo faltou para a pressão chegar ao limite. Nesse momento, manteve, imutável.

— Desativar — resmungou rouca, rasgando-se para fora do túmulo mental — Desativar sistema primário — vagaroso, o vocabulário voltava a fluir em sua consciência e a língua recordava-se da funcionalidade.

Falha. Falha.

Rangeu os dentes. Pela necessidade mórbida de privacidade fantasiou silenciar para sempre o mecanismo, gastando sua munição ao cravar uma bala no coração do circuito. Esta atrocidade estaria aquém de sua capacidade humana, lhe restando nada mais que a insana vontade para continuar na posição que já estava seu braço.

Falha. Falha — o sistema continuava a repetir em rítmo inumano.

— Emudecer! — dera o comando em tom desesperado, escalando a voz em um grito. Se fosse menos fria, o lacrimejar já teria lhe banhado.

Falha. Falha.

CALA BOCA!!! — bramiu, golpeando nos sensores internos do andarilho com a coronha.

Rachaduras. Trincara os olhos internos. Poderia tanto ter cegado a máquina ou distorcido sua visão sobre ela. A verdade fez-se irrelevante ante a violência satisfatória.

Os avisos de falha acabaram por ter enfim afastado a arma da própria cabeça e ela, mesmo racionalmente negando, já sabia disso.

Dano em sensores, registrado — a neutralidade na voz tornava-se enlouquecedora — Sarah, você está bem?

"Sarah, você está bem?"

Em sua audição, a pergunta ecoou.

O primeiro eco era da máquina, buscando relatório sobre sua piloto conforme mandava a programação.

Nima manifestava-se no segundo eco, doce e preocupada, questionando-a em um passado intangivelmente distante.

— Deixem-me — Levou as mãos à cabeça segurando a pistola com o punho que sangrava, cerrando as pálpebras — Saiam da minha mente, vocês dois — a autoridade enfraqueceu, tornado-se súplica — por favor...

Nenhuma entidade nova detectada. Continuamos sozinhos.

Discutiria com o computador se tivesse disposição.

RandômicosOnde histórias criam vida. Descubra agora