— Vós sabeis então, que vosso senhor, vosso Rei, vosso Líder, vosso Imperador, é não somente eterno, como vosso genitor e dele herdamos honra para carregar em nossa coroa individual.
Assim era, e assim seria. Alexander pois sua mão direita sobre o coração, punho cerrado, com o dedão encostando no peito magro, pálido e miúdo. As lições sobre honra deveriam ser ensinadas desde cedo.
— Vosso Rei é ouro, sacro ouro é. Vosso Rei é espada, sacra espada é. Em nome de vosso Império dourado e milenar, serás a sacra espada em guerra e em paz. Ei de carregar o Império mesmo que estejam partidas suas pernas, esmagadas suas costelas ou talhados vossos tendões.
Era o juramento de um guerreiro recém-formado na Espada ou um sermão? Para os Discípulos do Rei; os Súditos, uma coisa era a outra. Todos que nasciam no Império deveriam louvar o Imperador e sua gênese; Rei. Aquele responsável por fixar no mundo a primeira cidade, travar a primeira guerra e desbravar o primeiro ermo. Rei era a imagem que todos os monarcas e usurpadores seguintes deveriam louvar. Afinal, dele nasceram todas as raças civilizadas do mundo.
Era isso que ensinaram a Alexander após o vestirem robes dourados cujos bordados representavam belos adornos simbólicos de uma armadura gloriosa.
— Lembrei-te pois que nascera da Primeira Cidade, deste teus primeiros passos na terra dos Imperadores, e golpeou teus primeiros inimigos com a benção de Rei. És súdito e eis de ser orgulhoso como tal.
Alexander apenas poderia concordar. Afinal, se respirava agora era por causa do Rei. Ele o protegeu quando sua vida pendeu na borda e agora ele só presenciava a glória do mármore dessa capela, com curvas e escudos dourados, símbolos sacros e estatuas de um Rei cuja a face reluz e ofusca em honra e poder, graças à piedade do Rei com seus súditos.
Nisto, ele acreditava e não precisava duvidar.
Sentado na primeira fileira, ao lado de vários outros meninos, ele ouvia e repetia mentalmente os sermões do Senhor ali no púlpito para jamais os esquecer.
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Ele não precisava temer nada.
Mesmo quando em prostração, manco sobre uma cama com sua saúde frágil e débil, O Rei havia de o fortalecer. Em seu sangue corria o sangue do primeiro Imperador, porque então deveria duvidar da própria força?
Repetia esses pensamentos a cada vez que o Senhor, com sua face rija e aquele bigode vasto que permeava a ira daquele homem vinha para lhe visitar.
A cada dia ele entrava nos aposentos de Alexander e lhe dava as mesmas ordens.
— Levanta, trabalha e soma ao Império, ou és o mesmo que nada.
Nas primeiras vezes, independente do quão indisposto o menino se sentia, ele rezava por força, e cambaleante seguia para a porta madeira de seu quarto para iniciar o dia. Nenhuma vez ouviu uma palavra de apoio, suporte ou agradecimento do Senhor. O Rei tinha ordens, e as seguir já era recompensa o bastante.
Mas chegou o dia que nenhuma quantia de prece fazia suas pernas se moverem, ordens esbravejadas não lhe inspiravam. Seu Rei não lhe dava forças. E então ele chorou, e suas lágrimas foram recebidas apenas com um tapa de escárnio em sua face delicada.
Aquele tapa o mostrara que à frente, o caminho se provaria duro. suas responsabilidades seriam multiplicadas, e suas provações deveriam lhe fazer um soldado.
Toda noite ele rezava para que sua saúde melhorasse. Todos os dias o Senhor desprezava sua força inexistente, e imediatamente o lembrava que aqueles que não serviam o Rei não poderiam ser súditos, seriam apenas brutos abaixo de todos. Ou inimigos, ou selvagens.
E Alexander não queria ser nenhum dos dois.
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Adolescente, Alexander era um rapaz frágil, pálido, feições muito meigas, mas constituição enfraquecida, membros esguios e ossos leves. Nele faltava a força do Rei e como súdito ele se mostrava mais um fraco adorador do que um honroso servente. Nas suas mãos faltavam as marcas de quem erguia construções e abria estradas por seu Rei, em seus olhos, faltava a firmeza de quem honrava a corte em sua alma, e no seu passo lento, apenas o lamento de um destituído.
Sermões o lembravam de que ele tinha ordens que não conseguia seguir, punições cada vez mais severas serviam para lhe danificar a armadura já enfraquecida.
E quando ele mais precisou da força do Rei, ele percebeu que ela estava com aqueles que à mereciam, e que ele e seus irmãos, mesmo mais fortes que ele, não eram nada mais do que o inimigo.
No início do inverno, quando a neve ainda era só geada, o perigo desceu sobre a capela e sobre o orfanato. Posicionados no norte frio do Império, longe da Capital, da Primeira Cidade e do olhar do Imperador, seus irmãos e irmãs que habitavam aquela região viviam na sombra de um Imperador criticamente ausente, e sobre a ameaça de um usurpador que a cada dia, levava a espada a mais e mais indivíduos que lhe recusavam a lealdade.
Os Seguidores de Carthaw, o Mago, vinham com seus cristais e sua magia, recém-renascida, para destituir todos aqueles que seguiam à uma dinastia enfraquecida por um império em mudança. A dinastia Ashen, que reinava já à quase 150 anos se via diante daquele que poderia ser seu flagelo; Carthaw Brasco, o Mago Guerreiro com seus cristais de onde sorviam energias que artesãos usavam para conjurar poderes que se acreditava estarem perdidos à seculos.
E sua legião crescia e a cada ano mais e mais regiões se submetiam à magia renascida. E aqueles que se recusavam, eram convertidos do jeito mais tradicional no Império; pela força.
Mas para Alexander, não fazia sentido que alguém poderia sequer se posicionar contra o Imperador. Rei não deveria endurecer o aço de seus guerreiros e fortalecer os cavalos de seus cavaleiros? Por que alguém seria capaz de usurpar o trono? A honra pertencia aos fortes ou aos leais? Essas eram perguntas que sempre eram respondidas com agressão e promessas de punições. Ele não compreendia...
Então, quando se viu diante da lâmina dos agressores carregando o brasão de Carthaw, com seus irmãos sangrando ao seu lado, Alexander colocou sua mão em seu peito, punho serrado, dedão contra sua carne ferida e à todos pulmões, invocou a força de seu genitor.
— EM NOME DO REI, SUA LÂMINA NÃO HÁ DE ABALAR MINHA LEALDADE. MINHA ARMADURA É OURO E SUAS AMEAÇAS APENAS FRACO GRAVETO!
Sua voz era naturalmente tímida, aveludada. E mesmo invocando toda a sua força, a única resposta do homem armado à sua frente, com uma pistola em seu cinto, uma espada em sua mão e aço negro sobre seu peito, foi uma risada de escárnio; pena verdadeira de um indivíduo tão insignificante. Alexander se sentia castrado.
— Sua lealdade devia estar com os fortes dessa terra, não com lendas que se esforçam para parecerem poderosas aos simplórios.
O homem não tinha porquê assassinar alguém tão fraco. Não tinha porquê temer alguém insignificante. Com as lágrimas mais ardidas que já havia sentido correrem em sua face, Alexander amaldiçoou os seus atacantes e invocou os poderes do Rei incontáveis vezes enquanto seus carrascos o espancaram, abusaram e o desacreditaram de tudo que ele era ou acreditava ser. Naquele momento, em sua face um dia imaculada, agora marcada por pura dor e descrença, apenas a revolta de um filho duplamente abandonado era visível.
Ele era ninguém.
Fraco, ele jamais seria alguém, e Rei não tinha nenhuma força para lhe dar. Rei era um tirano que não liga a para seus súditos...
Manco, marcado e humilhado, Alexander desapareceu na noite, horas depois que seus atacantes decidiram que seu brinquedo já havia ficado velho. Poderiam tê-lo matado, mas para alguém tão inocente e estúpido como ele, seria ainda melhor vê-lo carregar a lembrança de quando seu Rei o havia abandonado.
Alexander amaldiçoou aquele homem de armadura negra e sorriso sujo, mas ao mesmo tempo, Alexander o agradeceu. Pois daqui pra frente, seria um mártir. Não de uma entidade fraca e omissa, mas do poder real. Alexander se tornaria o próprio poder, ele iria até o fim de todos os mundos pra buscar esse poder. E jamais se curvaria perante outro homem outra vez. Real, ou imaginário.
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Alexander
Fantasy== Contos de Alstrien == Para alguns, o pior pecado a ser cometido por um homem é a traição. Confiar e num momento de necessidade, encontrar apenas pó. No norte do vasto Império de Alstrien, num orfanato construído ao pé de uma pequena paróquia erg...