Acordo de manhã quando Mary me chama para descer. Ela ensina-me algumas coisas e testa-me nas receitas. Claro que iria começar a um sábado, é o dia com mais movimento da semana.
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A fila era monstruosamente grande e só estava a trabalhar à uma hora. Mary pôs-me a trabalhar como caixa, pois é algo em que eu não erro.
Cliente, atrás de cliente, sorriso atrás de sorriso. Mary olha para mim muitas vezes, para ver se estou bem. Começo a sentir que sou apenas um caso de caridade.
“Olá nova rapariga.” Alguém se esbarra contra mim e, literalmente, caio do balcão.
“Ouch, boa primeira impressão.” Rio-me e ele encolhe os ombros. Observo-o cuidadosamente, enquanto ele alcança a jarra das bolachas e as pões dentro da boca. Começa a rir com a boca cheia, pois pensa que Mary não o viu. Mas viu. Olho com cuidado, mordendo o meu lábio enquanto ela caminha em direção a ele e puxa-o pela orelha, levando-o para a cozinha.
Dois minutos depois ele sai da cozinha, com a cara vermelha e deita-me a língua de fora.
“A bolacha estava boa?” Eu pergunto-lhe enquanto ponho o pedido de um cliente.
“Valeu a pena.” Ele pisca os olhos, passando a sua mão pelo seu cabelo loiro enquanto começa a fazer o pedido das bebidas.
Quando a fila diminui e ele acaba de tomar a sua bebida, passo por ele e sento-me no balcão.
“De onde é o teu sotaque?” Pergunto.
“Podia perguntar-te o mesmo.” Ele responde.
“Mas, da Irlanda.” Ele acaba.
“Sou a Charlie.” Sorrio, dando-lhe uma aperto de mão robusto.
“Niall.” Ele sorri.
Ouço alguém a tossir e olho para a caixa registadora.
Merda.
“Niall, podes atendê-lo tu…” Começo a sussurrar, mas quando olho para a minha esquerda o Niall já tinha ido para a cozinha.
Considero, ir chamar Mary, mas não lhe quero causar nenhum problema. Silenciosamente, dou passos largos até à caixa registadora.
“O que deseja?” Pergunto, tentando não olhar para o seu braço tatuado.
“Qual é a especialidade de hoje?” Ele lambe os seus lábios. De perto não se parece um monstro, não, os olhos verdes estão a orientar-se.
“Carmel Frapayoca.” Murmuro.
“Vou querer isso.” Ele sorri, enquanto os seus olhos serpenteiam o meu corpo de cima a baixo. Envio o pedido dele, mas ele continua ali.
“Há ali uma zona de espera.” Aponto para o outro lado da loja. Ele franze as sobrancelhas na minha direção.
“Não posso esperar aqui?” ele pergunta e eu juro que os seus olhos pareceram mais inocentes que nunca. Mas é enganador e eu sei disso.
“Mas terás de desviar-te quando um cliente vier para comprar uma bebida.” Digo, cruzando os meus braços. Ele começa a cacarejar e olha para a porta de entrada da loja.
“E se não me desviar? Vais ser tu a afastar-me daqui?” ele pergunta, as suas sobrancelhas levantam. Esta pessoa, de repente, irrita-me. Põe o meu estômago enjoado. Faz-me lembrar de coisas de que não me quero lembrar aqui.
A porta da cozinha abre-se e Niall curva-se e começa a fazer a bebida. Caminho até ele para lhe falar mas de repente ele afasta-se. Estou frustrada. Viro-me e o estúpido tatuado ainda está ali, a olhar para mim.
“Responde-me a isto.” Digo, caminhando na sua direção, inclinando-me sobre o balcão. Ele levanta as suas sobrancelhas e diz “O quê?”
“Porquê um braço? Porque não tatuaste os dois?” Perguntei.
Um sorriso estende-se pela sua face e as suas covinhas são reveladas. Ele inclina-se para perto de mim, enquanto ele está muito próximo e eu a uma pequena distância.
“Equilíbrio.” Sussurra. Depois, pega na sua carteira e põe dinheiro no frasco das gorjetas. Eu nem tive de arrastá-lo daqui, ele apenas pegou na sua bebida e foi embora.
Viro-me e olho para Niall e ele dá-me um sorriso triste.
“ Porque foi isso?” Pergunto-lhe. Ele desata a rir e encolhe os ombros, mas eu sei que ele está a esconder algo, mas decido não puxar o assunto.
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O resto do dia é lento; os clientes vinham e iam.
Faço a minha pausa às quatro e faço um chai tea para mim. Sento-me numa das mesas e fecho os meus olhos.
“Charlie?”
Abro os olhos e olho para Mary Kall e ela tem uma expressão confusa por toda a sua face.
“Conseguiste muitas gorjetas hoje?” ela pergunta.
“Não muitas? Embora algumas.” Digo, um pouco perturbada comigo mesma. Aproxima-se e dá-me dinheiro. Tive de olhar mais de perto para saber se era verdade.
“Parece que alguém gostou de ti.” Ela ri, quase que com descrença. Aperto os 100(o dinheiro) com a expressão de McKlaya Maroney.
Todo este dinheiro… é sujo. E já sei de quem é.
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O meu turno acaba às 6. Começo a pensar que estou completamente delirante por estar a fazer isto. Quer dizer, EU ESTOU delirante por fazer isto, mas agora parece…não sei, tonto. Trabalhar num café não me vai sustentar o suficiente e nem vou para o negócio da prostituição. Não poderia, nunca, fazer isso.
“Tu aqui fora?” Niall pergunta atrás de mim. Aceno com a cabeça e ele suspira.
“Achas que podias esperar 5 minutos? Isto é, se não tiveres planos.” Ele diz. Encolho os ombros. Não tenho nenhum sítio para onde ir.
Dez minutos depois, eu e o Niall estávamos a andar no passeio, enquanto o Niall me contava a vida dele. Nasceu na Irlanda e andou na secundária lá, mas depois veio para cá por causa da universidade.
“E quanto a ti? O que te trás a Londres?” Ele pergunta. Mordo o meu lábio.
“Já alguma vez ouviste a expressão de que a tua vida é um livro e tu és o escritor?” Eu pergunto e ele acena com um sorriso.
“ Bem, digamos que o meu livro estava uma confusão, portanto era tempo de mudar.”Sorrio.
“Gosto disso. Realmente gosto.”Ele sorri e o retribuo o sorriso. Creio que é parcialmente verdade.
Ao fim de andarmos uns quarteirões, começo a especular o que estou a fazer. Estou a pensar no café, mas o Niall perguntou-me se eu queria ir onde diabos ele queria ir.
“Provavelmente devia ir em breve.” Sussurro, vendo a minha respiração a desaparecer no céu da noite.
“Oh, vá lá! O sitio onde te quero levar é já aqui.” Ele aponta para o outro lado da rua.
Quando, finalmente, chegamos ao local que o Niall indicou, ele abre a porta e segura-a para eu entrar.
Entro noutro café decorado com luzes de Natal e arte por todas as paredes. Uma parede é toda uma biblioteca, e a outra está cheia de cadeira e sofás, para não mencionar o número de pessoas.
“O que é isto?” Sussurro para o Niall.
“Noite aberta do microfone. Acontece todos os meses. Tentei convencer a Mary a fazer isto, porque atrai muito negócio mas ela recusou. De qualquer maneira é muito divertido. Muita gente da minha escola vem aqui e vê.” Ele sussurra de volta, e vejo um sorriso para outras pessoas no outro lado da divisão.
“Podes ir sentar-te com os teus amigos, se quiseres.” Eu digo, mas ele abana a cabeça violentamente e instala-se num sofá. Fixo-me nele de maneira estranha, até ele dar uma palmadinha no assento ao seu lado, então sentei-me.
Ouvimos durante trinta minutos pessoas a contarem piadas, a cantarem e até alguém que dançou. O Niall tinha razão, isto era muito divertido, porque ninguém julgava e algumas pessoas podem mesmo cantar.
“Cantas?” O Niall pergunta-me.
Praticamente bufo.
“Conta no chuveiro?”
Niall ri-se e põe-se de pé. Olho para ele confusa, mas ele agarra no meu braço e arrasta-me com ele.
“Tocas piano, certo?” Ele pergunta.
“Como sabias isso?” Pergunto, estupefacta.
“Posso dizer por causa dos teus dedos. Estranho né? Nunca estou realmente errado.” Ele sorri para si próprio. De repente paro e abano a caneca.
“Não toco em frente de pessoas. Já não.” Sussurro. Niall pega na minha mão e leva-me para o piano, de qualquer maneira.
“Imagina que não estás a tocar para uma multidão de pessoas. Imagina que estás a tocar em frente a uma pessoa, somente a uma pessoa. Apenas essa pessoa.” Penso na Ellie e como quando ela costumava cantar e eu tocar. Aceno lentamente e sento-me enquanto Niall vai para o microfone.
“Olá sou o Niall.” Ele diz. A plateia retribui o olá.
“E esta é a Charlie! Charlie não tem tocado há algum tempo, por isso dêem-lhe algum amor.” Ele diz para o microfone, agarrando-o como o Elvis, e a plateia grita. Até eu me rio.
“Que música queres tocar? Eu canto qualquer uma.” Ele sorri, tão excitado, tal como um rapazinho.
“Posso tocar Clocks dos Coldplay. Memorizei-a quando era pequena.” Sussurro, não tendo a certeza do que estou prestes a fazer. A última vez que toquei foi no funeral da Ellie.
Mas algo está diferente dentro de mim. Acho que ela quer, quer que toque.
Niall está no palco e acena-me com um sorriso. Ponho as minhas mãos no teclado e lentamente toco nas teclas, fechando os olhos.
Depois, começo a tocar.
“The lights go out and I can't be saved
Tides that I tried to swim against
Have brought me down upon my knees
Oh I beg, I beg and plead, singing
Come out of the things unsaid
Shoot an apple off my head and a
Trouble that can't be named
A tiger's waiting to be tamed, singing
You are, you are…” Ele canta.
O Niall canta como um anjo. Parte de mim só quer parar só mesmo para o ouvir. As pessoas da plateia trouxeram isqueiros para abanar no ar, e o pobre do dono está a dar em louco. Mas continuo a tocar. Porque parece-me… bem.
“Confusion that never stops
The closing walls and the ticking clocks gonna
Come back and take you home
I could not stop, that you now know, singing”
De repente um microfone é posto à minha frente. Deixo cair as minhas mãos sobre o teclado e a plateia começa a sussurrar.
“Como gostas dos rapazes da canção?” Niall pergunta-me enquanto se senta ao meu lado. O público aplaude.
“Ok bem, a única maneira de acabarmos a música é se esta adorável senhora cantar o resto comigo.” Ele sorri. Olho para cima, para os seus olhos bem abertos e abano a cabeça.
A plateia começa a aplaudir “Canta! Canta! Canta!”
“Niall!” Assobio enquanto ele me dá um microfone.
“Vá lá, toca.” Ele sorri. Portanto fechei os meus olhos e respirei fundo.
“Come out upon my seas” Começo e as pessoas começam a vaiar. Sorrio para Niall e continuo a tocar.
“Cursed missed opportunities am I
A part of the cure
Or am I part of the disease, singing”
Finalmente oiço a voz do Niall a juntar-se a mim, depois de me observar durante todo o solo. É tão bom poder cantar assim. Sinto-me livre, como me sempre quis sentir.
“You are, you are
You are, you are
You are, you are
And nothing else compares
And nothing else compares
And nothing else compares
You are, you are
Home, home, where I wanted to go
Home, home, where I wanted to go
Home, home, where I wanted to go
Home, home, where I wanted to go” Acabamos. Toda a plateia põe-se de pé e então eu faço uma vénia.
“E ela disse que não podia cantar.” Niall ri-se para o microfone. Tapo os meus olhos e decido dirigir-me para os nossos lugares. Sinto-me aliviada.
Estou quase a sentar-me quando sinto uma mão no meu ombro. Viro-me e deparo-me com um homem já crescido e de fato.
“Posso falar contigo, Charlie? Em privado?” ele diz. Olho para ele e toda a calma desaparece do meu corpo, dando entrada a agitação.
Viro-me antes de o seguir, e procuro o Niall. Ele está a olhar diretamente para mim e põe os seus polegares para cima. A última coisa que vejo é do sorriso extremamente juvenil do Niall, enquanto sigo o homem até à secção da biblioteca.