Capítulo 4

17 2 1
                                    

Eu entrei em sua casa depois de sair do telefone com a minha mãe, avisando que iria chegar mais tarde. Passei alguns bons minutos explicando e tentando arrumar alguma desculpa, até que ela enfim me deixou desligar. 


Era exatamente o que podia se esperar de alguém como ela. Pequeno por fora, mas estranhamente grande por dentro. Tudo brilhava de algum jeito. Eu podia jurar que via o fantasma de uma empregada esfregando pano em algum espelho enquanto passava pela sua sala. Era impossível que uma casa brilhasse tanto em uma limpeza que parecia quase compulsória. O chão parecia um mar de sal. Podia ver meu reflexo nele e ele me perguntava o que eu estava fazendo lá, sujando aquele local com a minha existência. Tudo cheirava bem também. Talvez se eu passasse algum tempo só lá, parada, eu poderia acumular um pouco daquela limpeza e cheiro bom. Na próxima vez, levaria um pote comigo para poder prender o ar e jogar em mim em forma de spray quando fosse para a escola.

O quarto dela ficava no primeiro andar, então precisava subir algumas escadas. Nem ao menos me atrevi a pegar no corrimão. Não sei por onde minhas mãos passaram.

Chegando lá, eu entendi o que estava acontecendo. Eu tinha, novamente, perdido a noção da realidade no meio de algum sonho meu. A quantidade de coisas rosas e em tons pastéis era muito maior para um quarto. Haviam pelúcias em todos os locais. Era um sonho, ou um desenho. Ou um filme. Ou uma fanfic. Qualquer uma das opções, não me parecia nada real. Mas era tão irreal quanto ela me chamar para seu lugar sagrado e íntimo. Nunca havíamos falado nem sobre onde morávamos e lá estava eu, sentada na beirada de sua cama de casal que dava pelo menos três da minha e ainda sobrava espaço. Ela havia se jogado nela assim que entrou.

Bufou. Revirou o corpo de um lado para o outro enquanto eu tentava decifrar o que estava acontecendo enquanto os fios brancos deslizavam pelo lençol igualmente branco. Se eu olhasse de um certo ângulo, nem saberia onde seu cabelo começava e o colchão terminava.

Enfim ela começou a falar. E falar e falar. E eu apenas escutava. Suas notas estavam ruins, então sua mãe havia lhe colocado de castigo. Ela não conseguia mais comer direito porque sentia muita pressão na escola e fora da escola. Aparentemente tinha aula de francês. Eu até pedi para que ela falasse alguma palavrinha ou outra. É sensual, dizem. Estava também nervosa porque os pais não paravam de brigar e ela não conseguia se concentrar para estudar e, por conta disso, tirava notas ruins e por causa disso, sua mãe havia lhe colocado de castigo.

Ela não explicou que castigo era. Eu não perguntei. Que tipo de castigo ela poderia sofrer? Ficar sem o celular? Eu não vi o celular dela o dia inteiro. Talvez teria sido isso?

Não tive tempo para perguntar ou para pensar porque, depois de tudo o que ela havia falado, por quase trinta minutos – ela falava muito –, ela apareceu em minha frente. Seu rosto estava um tanto inchado. Parecia que estava segurando o choro e seus olhos estavam mais abertos que o normal. Não me lembrava da última vez que havia visto ela tão de perto. Era tão pequena que nem parecia uma pessoa de verdade. Mais um ponto para a teoria de que eu estava sonhando. Ela não falou nada para mim, apenas ficou me olhando. Acho que esperava algo de mim e eu também concordo que eu deveria ter feito algo, mas ela foi mais rápida.

Durante seu momento sensível, ela enfim criou a coragem para se aproximar de mim e deixar seus lábios tocarem os meus. Eram tão pequenos. Ela era tão pequena. Como alguém podia ser tão pequena?

Eu deixei meus lábios tocarem os dela de volta e isso demorou alguns segundos. Os quatro lábios se pressionavam uns contra os outros, sem tanta força, com calma. Meu rosto até movimentou-se mais para frente, aproximando-me daquela pequena garota em minha frente, que havia acabado de se abrir para mim. Eu havia me tornado a sua confidente, provavelmente porque ela sabia que eu nunca contaria nada a ninguém nem muito menos a julgaria. Mas eu julgava. Ela era mimada. E eu não me importava.

Naquele instante, com meus lábios colados aos dela, eu não me importava com mais nada. Se eu não desse um fim ao beijo, eventualmente ela engoliria meu coração porque ele estava prestes a pular de minha boca. Assim que nos afastamos, ela me olhou curiosa. Eu queria ver sua reação tanto quanto ela queria ver a minha. As duas se olharam, como se houvessem descoberto algo novo. Como se aquele beijo fosse o Brasil do nosso Cabral. Ela sorriu e me liberou para sorrir de volta. Isso era algo raro de se acontecer.

Nós nos beijamos de novo. 

Laura.Where stories live. Discover now