Fogo

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O batom nude deslizou-lhe delicadamente pelos rosados lábios, revestindo-os de um atraente castanho avelã, enquanto que nos seus olhos somente um fino delineado estava desenhado. No seu corpo, envergava umas calças justas negras, adornadas com rasgos em ambos os joelhos, uma camisola fina, igualmente preta, e uma casaca de couro na mesma tonalidade que as demais peças de roupa. Nos seus pés, descansavam uns botins carvão e, por sua vez, o cabelo escorria-lhe pelas costas em volumosos e brilhantes caracóis chocolate. Sentia-se imensamente atraente e poderosa como nunca antes se sentira e, compreensivelmente, tal sentimento era saudável para a sua autoestima, anteriormente ferida. Renascer o seu amor próprio era uma necessidade urgentemente importante após o ano tempestuoso pelo qual passara. Desta vez, voltara mais forte, indestrutível.
Esboçou um sorriso confiante, guardou o batom na bolsa, descansada no tapete negro do carro, e, posteriormente, encarou o ser masculino ao seu lado, que brincava com o telemóvel, numa tentativa bem sucedida de se distrair, enquanto a prima matava tempo. Por ele, tinham já terminado o que tinham a fazer. Bem, honestamente, por ele, nem ali estariam, visto que não via nada de produtivo ou necessário no plano louco — diga-se de passagem — da prima. Apenas concordara em ajudá-la por conta do seu instinto protetor ter tido mais voz que a sua razão. Nunca, em circunstância alguma, permitiria que Karyna embarcasse numa perigosa aventura sozinha, nem a confiar nela cegamente. Zach estaria lá para proteger a sua pele.
— Pronto, Zachy? — inquiriu a morena, sorridente, levando a que o de caracóis chocolate suspirasse e empurrasse o telemóvel para a escuridão do interior do bolso dianteiro das calças de ganga. Por fim, desviou o olhar para Karyna e assentiu levemente.

A Lua reluzia sobre a tela negra isenta de estrelas no seu último dia em estado de lua cheia, enquanto uma gélida brisa corria por entre as altas árvores, levando-as a baterem umas contra as outras numa melodia harmoniosa. Nenhum som de vida animal era audível, tornando o cenário assustador o suficiente para fazer a adrenalina circular deliciosamente nas veias da morena sedenta por uma desforra.
Um sorriso de satisfação desenhou-se-lhe nos lábios assim que o portão cinza penetrou o seu campo visual agradavelmente e, seguidamente, cessou os movimentos e mergulhou as mãos nos bolsos da casaca enquanto Zach resgatava o telemóvel das profundezas do bolso e iniciava o que lhe fora incumbido fazer. Mais tarde, passeou o olhar pela imensidão florestal que os abrangia, consentindo que os seus pensamentos tomassem conta de si e que seu coração se pronunciasse, clamando por um perdão para aquele que amava inexplicavelmente e para desistir daquela vingança sem sentido.
Fazia já um ano desde que a Duey apresentara os papéis do divórcio ao canadiano, após este ter agido nas suas costas e pago as dívidas do pai para manter o ilegal império vivo. Os olhos marejados do moreno cortaram-lhe o coração em infinitos fragmentos que, posteriormente, se reuniram erradamente, fazendo a sede por vingança nascer. Não obstante, por mais que amasse o torontoniano, era incapaz de continuar naquele casamento revestido de desconfiança. E, para além disso, a visão de acabar como a sua ex sogra assustava-a intensamente.
— Pronto, Kary, lideras daqui para a frente. — afirmou Zach após empurrar o portão, libertando a prima dos pensamentos. — É, realmente, isto que queres? Não tens, obrigatoriamente, de o fazer.
Por instantes, Karyna franziu o sobrolho sem entender ao que o primo se referia, mas depois, durante um pesado suspiro, assentiu. Por fim, encarando friamente Zach, declarou:
— Como nunca quis outra coisa, Zach. Destruí-lo-ei como ele me destruiu. Deixá-lo-ei como ele me deixou. E, no fim, somente restar-lhe-á o que me restou: um sentimento vazio.
Zach recuou levemente enquanto engolia em seco e um arrepio lhe percorria a espinha, ligeiramente receoso. Karyna era fogo, era necessário extremo cuidado a manuseá-la e o moreno não tinha essa capacidade. Então, apenas beijou-lhe a testa e afastou-se, sendo devorado pelas árvores e escuridão pelas mesmas causada. Por sua vez, a morena desenhou um sorriso maléfico e adentrou o paraíso ilegal, deparando-se com toda a riqueza ilícita. Em breve, nada mais seria que cinzas.

Sage caminhava de cabeça baixa e mãos nos bolsos em direção ao seu cofre precioso, como fazia diariamente, para verificar o conteúdo do mesmo. Necessitava de manter aquela carga segura, pois recebera uma exorbitante quantia para a entregar na manhã seguinte, ao nascer do sol. Mesmo que não necessitasse, o desejo berrava-lhe no interior e, também, manter aquele império e fazê-lo crescer era tudo o que lhe restava, já que perdera a amada e a família recusava-se a ter contrato com ele. O poder era o único refúgio, o sustento, apesar de que isso não o fazia inteiramente feliz. As recaídas eram constantes. As chamadas para casa, na esperança de alguém atender, tornavam-se cada vez mais frequentes e a fotografia da amada viajava já consigo dentro da carteira. Tudo o que conquistara, trazia-lhe uma carga emocional negativa, com um peso superior àquele que ele ele era capaz de suportar. Oh, o que daria ele para poder alterar as suas escolhas...
As mãos masculinas viajaram velozmente em direção à arma, escondida no cós das calças carvão, quando percebeu o portão corrido, deixando o seu tesouro desprotegido. Todos os seus sentidos apuraram-se em defesa e os seus passos diminuíram de velocidade, tornando-se precisos e calculados. Empunhou a arma confiantemente e adentrou o armazém, vislumbrando a esbelta mulher prostrada de costas para ele, enquanto um forte aroma a gasolina penetrava-lhe as narinas.
A sensação de conhecer aquele corpo feminino atingiu-o instantaneamente, deixando-o ligeiramente confuso e atraído. As curvas perfeitamente marcadas na roupa justa causava-lhe aquele delicioso arrepio na espinha e o crescimento de um desejo incontrolável no seu interior. Deus, como ele queria tocar-lhe, mesmo sendo algo impossível naquele momento.
— Mãos para o alto e nem um movimento. Não hesitarei em disparar. — ameaçou o moreno gravemente, recebendo uma sóbria gargalhada da mulher. Um arrepio percorreu-lhe a espinha. Desta vez, não de desejo.
A Duey esboçou um sorriso de canto e, lenta e sensualmente, girou o corpo de modo a ficar cara a cara com ele, o dono do seu amor, seu ex marido e atual inimigo perfeito. Sabia perfeitamente que o iria encontrar ali e, por essa razão, resolvera colocar em prática o seu plano diabólico exatamente àquela hora. Espiara-o tempo o suficiente para conhecer cada passo dele e cada segredo que guardava. De todos os inimigos que Sage pudesse ter, a sua ex mulher era, definitivamente, a pior.
Um misto de emoções avassalou-os distintamente enquanto que os corações de ambos martelavam saudosamente contra os peitos deles, ansiosos por se unirem novamente. Enquanto Karyna mantinha o sorriso de canto, o seu interior explodia de agrado por estar perante Sage, que em nada mudara. Os caracóis desajeitados permaneciam, assim o corpo divinamente esculpido revestido pelas roupas neutras. Já Morse não conseguia disfarçar, permitindo que surpresa, indefesa e desejo se projetassem no seu belo rosto. Sentia-se tão impotente perto dela...
— Como consegues ser tão ridículo, Morse? Todos sabem que és incapaz de magoar uma mulher da forma que for. — disse ela calmamente sem desfazer o sorriso. Já ele permanecia de arma em punho, petrificado, assombrado. — É de mim ou estás mais sensual? Serão as distintas mulheres que passam pela tua cama com uma frequência absurda? Devo confessar que esse teu cabelo rebelde é muito excitante.
— O que queres, Karyna? — inquiriu o moreno, abalado.
A Duey mordeu levemente o lábio inferior e caminhou calma e sedutoramente na direção do moreno, ativando todos os alertas vermelhos nele. Sage já não sabia se mantinha a atenção naquele divinal corpo a aproximar-se perigosamente ou na arma que mantinha em mãos. Karyna não se encontrava em melhor estado. Ambos eram o ponto fraco um do outro.
— Não é óbvio, amor? — sussurrou-lhe quando estava já com o corpo a milímetros do dele. As suas respirações descompassadas a beijarem-se deliciosamente. — Vim reaver o que me roubaste.
Tortuosamente, arrastou os dedos pelo braço do Morse até alcançar a mão masculina, tirar-lhe a arma e arremessá-la para longe, arrancando um suspiro profundo do moreno. Posteriormente, roçou lentamente o nariz no pescoço do homem, sentindo-o arrepiar-se, e subiu até à orelha. Mordiscou-a docemente e voltou a sussurrar:
— Sentes este cheiro? É o ínicio do teu fim. Tu és o homem, mas sou eu quem tem o poder.
Depositou um amargo beijo no maxilar do moreno e, seguidamente, afastou-se dele, acendendo o isqueiro, que tinha no bolso, e atirando-o para os sacos empilhados. Imediatamente, deu-se o flamejante encontro entre o fogo e a gasolina. Por fim, confiante, moveu-se para longe daquele armazém, deixando um Sage atónito e extasiado na companhia da luminosa chama destruidora. E, ali, começava a decadência do império Morse... e não apenas dele.

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⏰ Última atualização: Feb 09, 2019 ⏰

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